O jornalismo brasileiro perdeu nesta terça-feira (31) um de seus nomes mais representativos, um profissional que ao longo da carreira construiu não só pilares de competência, mas também pontes de inúmeras e leais amizades. Cesar Camarinha ocupou cargos em várias redações de jornais e revistas do País, mas foram no extinto Jornal da Tarde e no Correio Popular, de Campinas, que deixou seu legado na história da profissão.
Camarinha era um senhor quase octogenário, um peso que jamais curvou seu estilo esguio, elegante e altivo. Magro, muito magro, jamais apareceu mais ou menos arrumado em encontros sociais e profissionais. Sua acurácia na imagem pessoal era uma marca. Camisas, calças, sapatos, cabelo, cinto, meia e perfume compunham seu capricho diário. Um esmero para amigos e pessoas de seu convívio pessoal.
A personalidade agregadora conduziu Camarinha pela vida afora. Estava rodeado de amigos, sempre proseando e fazendo planos de novos encontros. Esse elo era inquebrantável. A pandemia da Covid-19 foi um duro golpe para quem sempre celebrou os encontros. A forçada separação deixou Camarinha distante dos amigos que o jornalismo lhe deu. Certamente isso o entristeceu, e a quem o admirava também.
Na carreira, era mestre de capas antológicas. Nos anos 80, com a pulsante energia criativa do Jornal da Tarde, um veículo que construiu uma história de jornalismo inovador, marcou presença. Não só nas abordagens editoriais, mas também nas soluções gráficas. Camarinha pertencia a esse laboratório do JT, criando, liderando e somando à equipe de talentos.
Era uma fase raiz do jornalismo. Grandes reportagens, depois de apuradas, eram pensadas em sua embalagem. Como apresentá-las de forma criativa e envolvente ao leitor? Camarinha entrava em campo para desenhar as capas, no jargão do passado, “rafear” aquela que seria a vitrine do JT no dia seguinte. E fez isso centenas de vezes. Talvez milhares.
Campinas entra na sua vida
Quando o JT dá os primeiros sinais de dificuldade (viria a ser fechado só em 2012, em sua última edição), Camarinha volta seus olhos para o Interior de São Paulo. Seu vínculo com a cidade começa por meio do então Jornal de Domingo, do grupo de O Estado de S. Paulo. Camarinha vinha à cidade para implantar e organizar o novo projeto gráfico do jornal. E Campinas agradece! É neste momento que ele aceita um novo desafio.
Em expansão gráfica e editorial, e encorpado por talentos das letras, o Correio Popular passou a ser a nova casa do jornalista anos depois. No Correio, além de muitos amigos, fez também história, com capas históricas e soluções para suplementos temáticos. Seu refinamento elevou ainda mais, à época, a qualidade do jornal. É dele, por exemplo, a solução da capa do Correio de 2 de maio de 1994, uma segunda-feira, dia em que o jornal não circulava. A morte do ídolo Ayrton Senna era notícia obrigatória no mundo. Uma capa simples e aristocrática. Minimalista. Essencial, com os elementos que bastavam àquele momento de dor. Depois, vieram muitas outras e a vida seguiu.
Nos últimos anos, Camarinha se dedicava a projetos de comunicação empresarial, ocupando cargo de diretor de Produção em revista paulistana. Na Capital, participou de muitos projetos editoriais, sempre oferecendo seu talento para sofisticar as publicações.
Repercussão nas redes sociais
A notícia da morte consternou amigos e ex-colegas de redação. Nas redes sociais, a repercussão foi muito grande. Um dos mais emocionados depoimentos foi dado pelo designer Osvaldo Furiatto Jr, que conviveu muitos anos com Camarinha. Seu post é de gratidão e reconhecimento.
“Acabo de perder aquele que foi a pessoa que profissionalmente mais acreditou em mim nessa vida. Dos meus mestres, ele foi o meu grande mestre. Foram anos de aprendizado. Ele me pegou praticamente um artista quase cru e moldou como o profissional que sou hoje. Houve sempre um enorme respeito entre nós, mesmo nos raros momentos de divergência. Ele sabia que eu tinha o ímpeto da juventude, e ao mesmo tempo, eu reconhecia sua gigantesca experiência. Uma verdadeira relação de mestre e discípulo”, escreveu.
“Tchau Cesar Camarinha, meu amigo de décadas. Vá em paz. Obrigada por tudo que me ensinou e pela amizade íntegra e sincera que tanto me fez bem”, despediu-se Janete Trevisani, colunista do Hora Campinas.
“Camarinha, artista de espírito arteiro. Grande figura, excelente colega de trabalho, profissional ímpar. Triste saber da sua partida”, definiu a jornalista Silvana Guaiume.
“Grande Camarinha! Acima de tudo um gentleman”, lembrou o jornalista Luis César de Souza Pinto.
“Além de tudo, era o técnico da equipe voluntariosa de futebol do Correio Popular nos anos 90″, completou o jornalista Dalton Almeida, publicando no post uma foto emblemática de um jogo em Muzambinho (MG), cidade do amigo e jornalista Pedro Aurélio Varoni de Carvalho. A partida terminou 3 a 3, com direito a chuva torrencial. Liderar aquele escrete era motivo de orgulho para Camarinha, apesar, certamente, de alguns lances bisonhos que ele, sempre elegante, à beira do gramado, ignorava.
A despedida
Cesar Camarinha, 77 anos, passou seus últimos dias internado no Centro Médico de Campinas. Ele morreu devido a complicações de uma cirurgia. Seu sepultamento ocorreu no Cemitério do Morumbi, em São Paulo. Neste domingo, dia 5 de setembro, uma missa será realizada em sua homenagem na Igreja Cristo Rei, às 19h, no Chapadão, em Campinas. Ele deixa a mulher Ana Maria, sua companheira das últimas décadas, filhas, irmão, sobrinhos, netos e centenas de amigos que jamais o esquecerão.