Não estamos sozinhos. Por mais longo que seja esse período de pandemia, vai passar, e parece que o pior já enfrentamos. Desde o ano passado, as pessoas experimentam os mesmos conflitos e sensações, como comenta nesta entrevista o psiquiatra Lucas Luchesi Barnes, especializado em psicogeriatria, atualmente cursando mestrado na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Toda sua formação – graduação e residência – foi feita pela Unicamp.
Atualmente, o médico é colaborador do Programa Cuide da Sua Memória, ambulatório dedicado à assistência e pesquisa de indivíduos em condições pré-demenciais, no Cecom (Centro de Saúde da Comunidade), da Unicamp, onde desenvolve seu projeto de mestrado. Também é médico assistente e preceptor da residência de psiquiatria no Instituto Bairral, em Itapira.
Lucas foi professor de psiquiatria para a graduação na Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas, por 4 anos. Trabalha em consultório particular em Campinas e Vinhedo, e no ambulatório dos sócios Remidos da Real Sociedade Portuguesa da Beneficência de Campinas. Segundo o especialista, períodos de dificuldades nos fazem refletir, entre outras coisas, sobre como as pequenas interações do dia a dia são importantes para manter a saúde mental.
Portal Hora Campinas – Como lidar com a solidão na pandemia que não tem data para terminar?
Lucas Barnes – O primeiro passo, que não é tão tangível, é entender que por mais longo que este período seja, vai passar. Isso ajuda a manter a esperança e energia para encarar as concessões e mudanças que temos que fazer. O segundo passo é lembrar que estamos todos com a mesma dificuldade, uns mais outros menos, e nesse sentido diluirmos um pouco a sensação de que apenas nossa vida não está igual. Por último, manter uma rotina com bons hábitos em relação à alimentação, ao sono, à atividade física e ao trabalho, dentro do que for possível, seguindo as recomendações de segurança em relação aos riscos de contaminação.
“A falta de interação social já é sentida por muitas pessoas e há queixas de tédio, aborrecimento, irritabilidade e ansiedade”
As pessoas sentem necessidade de compartilhar experiências, de criar memórias com amigos e familiares. Ficou um vácuo e já dá para constatar os malefícios dessa falta de interação?
A interação social, a comemoração de conquistas e mesmo bons encontros casuais enriquecem a vida e trazem momentos de alívio, repouso, descanso e descontração. A falta desses momentos, desde o ano passado, já é sentida por muitas pessoas e há queixas de tédio, aborrecimento, irritabilidade e ansiedade, por exemplo.
Essa rotina entre quatro paredes, trabalho em casa, e não mais trabalho e casa, pode acarretar mais problemas?
Não necessariamente. As mudanças que o home office trouxe foram benéficas para alguns e ruins para outros. Há pessoas que se sentiram melhor por estarem mais próximas dos filhos, por participarem mais da rotina da casa, não precisarem se deslocar para o trabalho e até aumentaram sua produtividade. Outros sentem falta exatamente do oposto: curtir o caminho até o trabalho, poder olhar no olho do cliente ou do colega, descontrair durante a pausa para o café. Nesse sentido, alguns podem se sentir mais relaxados enquanto outros mais cansados de ficar em casa trabalhando. Há quem prefira uma rotina mista, por exemplo. Muitas empresas já estão consultando seus funcionários e os deixando escolher.
Como lidar com a solidão no isolamento?
Para tentar driblar a solidão, pode-se tentar contato com mais frequência com familiares e amigos, seja por vídeo-chamada ou telefonema, buscar atividades de lazer prazerosas em casa, criar momentos de relaxamento durante a rotina e, se possível, respeitando as regras de distanciamento e prevenção de contaminação, um encontro à distância. Ouvi relatos criativos de vizinhos que ficavam cada um em sua porta ou varanda, ou até mesmo dentro de carros, conversando de longe. Enfim, até que todos estejamos vacinados e a pandemia controlada, temos que usar a criatividade para criar momentos novos de lazer e descontração.
“Até que todos estejamos vacinados e a pandemia controlada, temos que usar a criatividade para criar momentos novos de lazer”
Que lição nos fica desse período de pandemia? O que aprendemos?
Períodos de dificuldades trazem reflexões muito variadas, mas de forma geral, notamos como as pequenas interações do dia a dia, a ida ao mercado ou à academia, encontrar a família e os amigos são importantes para manter a saúde mental. Também notamos como as interações são importantes para as crianças e para os idosos nesse mesmo sentido. A empatia é um ponto que vale a pena ser ressaltado, pois entender as dificuldades e necessidades dos outros pode fazer com que percebamos melhor nossas dificuldades e necessidades, e assim trabalhar melhor em conjunto. Outro aprendizado é a importância de saber se adaptar, pois a vida tem momentos desconfortáveis, imprevisíveis e difíceis e precisamos encará-los com a naturalidade que a vida exige, mas também enxergando quais mudanças temos que fazer para que se tornem suportáveis.
Quanto maior o impacto na renda, maior a preocupação, sendo que a necessidade de corte de despesas muitas vezes pode deixar a terapia para depois. O que fazer nesses casos?
Em primeiro lugar é importante lembrar que contamos com o Sistema Universal de Saúde, o SUS, que oferece cuidados em saúde mental nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), nos Ambulatórios Médicos de Especialidades (AMEs) e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Além disso, existem linhas gratuitas para situações mais dificeis, como ideação suicida, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), cujo telefone é 188. Hoje, contamos também com vários canais na internet e podcasts que auxiliam com orientações, técnicas de relaxamento e reflexões para lidar com nossas dificuldades, além de leituras que oferecem o mesmo auxílio.
“Houve aumento de pessoas com sintomas de ansiedade e medo, por conta das preocupações em relação a questões financeiras, medo de contaminação e de morte pela Covid-19”
Como é possível diminuir a ansiedade?
O tratamento da ansiedade começa com cuidados de estilo de vida: sono adequado e regular, atividade física, alimentação saudável e evitar excessos em relação ao álcool e café. Depois, psicoterapia, técnicas de relaxamento e mindfulness (atenção plena) auxiliam muito no controle da ansiedade. Em casos selecionados, após a avaliação de um profissional médico, podemos lançar mão também de medicamentos que podem ajudar muito a reduzir os sintomas de ansiedade.
Há pesquisas que apontam a depressão como principal causa de afastamento do trabalho. Dá para perceber em consultório que, com a pandemia, isso aumentou?
Em relação à experiência no consultório, notei que, ao longo do último ano, houve aumento de pessoas com sintomas de ansiedade e medo, por conta das preocupações em relação a questões financeiras, medo de contaminação e de morte pela Covid-19, e de pessoas tristes e talvez melancólicas pela falta de interação social. Nos últimos meses, tenho notado também muitas pessoas deprimidas por perdas de pessoas próximas pela Covid-19.
“O trabalho em casa, a impossibilidade de sair, sem uma rotina de trabalho, atividade física, compras ou lazer, fez com que muitas pessoas passassem a inverter o ciclo do sono”
O sono também foi prejudicado?
Sim, muitas pessoas tiveram piora em relação ao sono por conta de quadros de ansiedade e depressão, mas também por uma desorganização da rotina. O trabalho em casa, a impossibilidade de sair, sem uma rotina de trabalho, atividade física, compras ou lazer, fez com que muitas pessoas passassem a inverter o ciclo do sono, assistindo televisão até de madrugada, dormindo muito tarde e acordando muito tarde.
As pessoas reclamam que estão procrastinando em excesso. Da cama para o sofá, do sofá para a cama. Isso já é sinal de depressão ou é falta de perspectiva?
Quando estamos inseguros, com dificuldade de tomada de decisão, dificuldade para iniciar ou concluir projetos devemos ficar atentos, pois pode ser um sintoma de depressão ou ansiedade. No entanto, são necessários outros sintomas para fazer o diagnóstico destes quadros, por isso é importante fazer uma avaliação mais completa do momento de vida com um profissional da área da saúde mental. É possível sentir-se com menos perspectiva, menos energia ou até menos produtivo, sem que isso seja necessariamente um quadro maior de depressão ou ansiedade, porém é importante procurar ajuda quando nos percebemos diferentes do nosso normal para tentar modificar esse quadro e voltar ao funcionamento normal.
Janete Trevisani é jornalista – [email protected]