Você certamente já deve ter assistido ao clássico filme “O Beijo da Mulher Aranha”, mas talvez não saiba que a campineira Ana Braga, pouco conhecida do grande público, faz parte do elenco encabeçado pela irmã mais velha, a prestigiada atriz brasileira Sônia Braga, que protagoniza a trama ao lado de dois renomados atores internacionais, ambos já falecidos: o porto-riquenho Raúl Juliá e o norte-americano William Hurt, vencedor do Oscar de melhor ator justamente pelo trabalho na aclamada produção lançada em 1985, sob a direção do cineasta argentino naturalizado brasileiro Héctor Babenco.
Intérprete da guerrilheira Lídia, com apenas duas pequenas falas em inglês e poucos segundos de tela dentro de um carro, Ana Braga aparece numa curta, porém, importante cena de fuga e tiroteio nas ruas do centro de São Paulo, já na parte final do filme, que determina o destino do personagem Molina, vivido por William Hurt. A história se passa nos anos 1970, em meio ao contexto da ditadura militar. Sem mais spoilers.
O nome da campineira surge nos créditos finais como Ana Maria Braga, o que causa certa confusão na cabeça de muita gente que assistiu ao filme em tempos recentes, devido à coincidência com o nome da famosa apresentadora da TV Globo, que se tornou bastante popular a partir dos anos 90, portanto, uma década depois do lançamento de “O Beijo da Mulher Aranha”.
Na época em que gravou o filme que virou sucesso internacional, Ana Braga estava à beira dos 30 anos, dos quais praticamente metade dedicados ao ofício da atuação, e havia acabado de dar à luz a uma de suas duas filhas com o jornalista e cineasta Ninho Moraes. No dia 15 de abril de 1983, em São Paulo, Alice Braga veio ao mundo, saindo do ventre de Ana Braga, para se tornar uma estrela do cinema brasileiro e internacional, herdando a vocação e o talento artístico da família.
“Ela é a melhor atriz da família”, afirmou categoricamente o importante cineasta carioca Luiz Carlos Lacerda, quando questionado sobre a campineira Ana Braga, em contato com a reportagem do Hora Campinas. E olha que isso não é pouca coisa, afinal a concorrência familiar é nada menos do que com duas grandes estrelas do cinema brasileiro que, inclusive, conquistaram o coração de Hollywood: a irmã Sônia Braga e a filha Alice Braga.
Presente na lista dos 100 melhores filmes brasileiros segundo a Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), ocupando a 61ª posição do ranking, o drama “O Beijo da Mulher Aranha” é a obra mais reconhecida do diretor Héctor Babenco, com quatro indicações ao Oscar, em 1986.
Além da estatueta de melhor ator que William Hurt faturou na premiação mais importante do cinema mundial, há quase 40 anos, “O Beijo da Mulher Aranha” também concorreu nas categorias de melhor filme, melhor direção e melhor roteiro adaptado, escrito pelo norte-americano Leonard Schrader, inspirado no romance homônimo do autor argentino Manuel Puig.
O protagonismo assumido no celebrado filme “O Beijo da Mulher Aranha”, interpretando a personagem do título, abriu as portas de Hollywood para Sônia Braga, que a partir dali deu início a uma carreira internacional de sucesso, vigorosa até hoje. Ana Braga, por outro lado, trilhou um caminho bem diferente, distante dos holofotes, ao enveredar pelo ramo da publicidade.
“De repente, ela foi cooptada pelo mundo da publicidade e virou uma diretora muito conceituada e concorrida. Todo mundo a queria para fazer filmes comerciais. Uma pena que ela se afastou do campo de atuação”, lamenta o cineasta Luiz Carlos Lacerda.
Posteriormente, a campineira se tornou uma profissional autônoma, prestando serviços de montagem de filmes e edição de vídeos sob encomenda, função que exerce até hoje, aos 66 anos, vivendo em São Paulo. Procurada pela reportagem do Hora Campinas, Ana Braga preferiu manter a discrição e não conceder entrevista.
No rastro da família
Caçula de sete irmãos, Ana Maria Campos Braga nasceu no dia 20 de outubro de 1956, em Campinas, sendo a única pessoa da família que possui o nome da cidade na certidão de nascimento. Sônia Braga, por exemplo, é paranaense, natural de Maringá, enquanto Júlio Braga, outro irmão que virou ator, nasceu em Curitiba.
No entanto, o responsável por iniciar a história da família no ramo da atuação foi o primogênito, batizado com o nome completo do pai, Hélio Fernando Ferraz Braga. Nascido em 1944, em Tupã, no interior de São Paulo, Hélio Braga é mais lembrado pelo trabalho no filme “Brasil Ano 2000”, de 1969, dirigido por Walter Lima Jr.
“Cada filho nasceu em uma cidade diferente porque o pai [Hélio Fernando Ferraz Braga] trabalhava como caixeiro-viajante e sempre mudava de endereço, então a mãe Zezé [Maria Braga Jaci Campos] ia atrás dele e paria nesses lugares”, revela o cineasta Luiz Carlos Lacerda, amigo de longa data da família, que chegou a dividir apartamento com Sônia Braga nos anos 70, no Rio de Janeiro.
O ator Hélio Braga, que atuava ainda como artista plástico, faleceu em 2017, enquanto Sônia Braga e Júlio Braga seguem em atividade até hoje como atores, na televisão e no cinema. Há ainda outra irmã que, embora não seja atriz, também está envolvida com o meio artístico. Maria Braga trabalha como empresária dos cantores Cláudio Lins e Ângela Ro Ro, entre outros artistas.
Pertencente a uma família com grande inclinação ao mundo das artes, como se pode perceber, Ana Braga é a filha mais nova de Maria Braga Jaci Campos, popularmente conhecida como Zezé Braga. “Zezé era costureira de teatro e cinema, ligada ao grupo Dzi Croquettes. Ela fazia as roupas da Sônia Braga para vários filmes”, conta o cineasta Luiz Carlos Lacerda, grande amigo da família. Zezé Braga, por sinal, trabalhou como figurinista de Sônia Braga no filme “O Beijo da Mulher Aranha”.
Seguindo os passos de três de seus irmãos (Hélio, Sônia e Júlio), Ana Braga começou a carreira no teatro, no início dos anos 70, atuando em diversas peças, entre elas “Godspell”, montada em 1973, em São Paulo, com direito a Antônio Fagundes no elenco – Júlio Braga também fazia parte. Em seu único trabalho na televisão, a atriz campineira ganhou um dos papéis principais da novela “Sem Lenço, Sem Documento”, transmitida pela Rede Globo entre 1977 e 1978.
Na novela “Sem Lenço, Sem Documento”, trama escrita pelo autor Mário Prata, a campineira interpretou a jovem pernambucana Rosário, que deixa sua terra natal rumo ao Rio de Janeiro, a fim de encontrar suas três irmãs mais velhas, Cotinha (Ilva Niño), Das Graças (Isabel Ribeiro) e Dorzinha (Arlete Salles), que trabalham lá como empregadas domésticas. A novela, que marcou a estreia de Bruna Lombardi na televisão, também conta com outros atores importantes como Ney Latorraca e Christiane Torloni.
Natural da cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, o ator Tião D’Ávila também integrou o elenco da novela “Sem Lenço, Sem Documento”, alguns anos depois de trabalhar com Ana Braga na peça “Godspell”. Decorridos quase 50 anos, Tião conheceu a filha dela, ao se deparar com Alice Braga durante as gravações de um dos episódios da série “As Brasileiras”, veiculada pela Rede Globo, em 2012.
Abaixo, em depoimento gravado exclusivamente para o Hora Campinas, o ator Tião D’Ávila comenta sobre a relação com a campineira Ana Braga e sua célebre família de artistas:
Primeiro filme não saiu como previsto
Em 1978, logo após o trabalho na novela “Sem Lenço, Sem Documento”, Ana Braga foi convidada pelo cineasta Luiz Carlos Lacerda para participar do filme “Joia Rara”, cujo roteiro ele havia escrito em parceria com o autor Armando Costa, um dos criadores da famosa série de televisão “A Grande Família”, ao lado de Vianinha, em 1972.
No entanto, logo na segunda semana de gravações de “Joia Rara”, um desentendimento de Lacerda com o produtor Pedro Carlos Rovai interrompeu as filmagens. O motivo: divergências sobre os rumos que a história deveria tomar.
“Eu convidei a Ana Braga para fazer o filme porque a considerava uma grande atriz. Eu dizia que ela era a nossa Giulietta Masina brasileira. Pequenina, não era um símbolo de beleza nem sexual, mas tinha uma presença cênica muito forte. Ela trabalhou comigo durante duas semanas, mas eu me desentendi com o produtor e o filme parou”, lamenta o cineasta Luiz Carlos Lacerda, cujo maior sucesso, o filme “Leila Diniz”, viria mais tarde, em 1987.
“A ideia inicial era que fosse um filme juvenil, uma comédia despretensiosa sobre o mundo dos surfistas de Ipanema. A Aninha faria uma suburbana que aparecia lá distribuindo folhetos de imobiliária só para ficar de olho no personagem do André De Biase, ator que descobri para interpretar um surfista que vinha com a prancha da zona norte do Rio de Janeiro. O Rovai queria que ele fosse um michê da praia, mas argumentei que o roteiro não era esse e não me prestaria a isso”, revela Luiz Carlos Lacerda.
“O Rovai queria mudar completamente o filme e transformá-lo numa pornochanchada, mesmo tendo me contratado sabendo que eu não era diretor desse gênero. Expliquei que essa linha de cinema não me interessava e que não faria o filme de jeito nenhum daquela forma”, decretou Lacerda.
Com a saída de Luiz Carlos Lacerda da direção de “Joia Rara”, diante do impasse sem solução com o produtor Pedro Carlos Rovai, o projeto então passou para as mãos do diretor Antônio Calmon e o filme acabou sendo lançado com outro nome: “Nos Embalos de Ipanema”.
Excluída do elenco junto com o irmão Júlio Braga durante o processo de reformulação após a troca de direção, Ana Braga acabou estreando nos cinemas somente em 1979, no filme “Embalos Alucinantes: A Troca de Casais”, uma pornochanchada do diretor José Miziara, onde a atriz campineira contracenou com o então galã Nuno Leal Maia.
Seis anos depois, veio a participação em “O Beijo da Mulher Aranha” e, na sequência, um longo período de quase 25 anos afastada do ofício da atuação. Ana Braga retornou às telonas somente para uma ponta no filme “Cabeça a Prêmio”, onde a arte imitou a vida, pois ela interpretou a mãe da personagem de Alice Braga, justamente sua filha na vida real.
Aquela foi a única vez que as duas contracenaram juntas e a última aparição de Ana Braga nas telonas. Estreia de Marco Ricca na direção, o longa-metragem de 2009 também conta com Cássio Gabus Mendes, Eduardo Moscovis, Otávio Muller e Fúlvio Stefanini como integrantes do elenco.
Trabalho nos bastidores
Ao direcionar a carreira para a área de publicidade, Ana Braga trabalhou e conviveu bastante tempo com Sílvio Matos, mais conhecido pelo trabalho como ator no canal de esquetes de humor Porta dos Fundos.
“Conheci Aninha Braga em meados dos anos 70, quando eu trabalhava na Lynx Filmes e montava comerciais dirigidos pelo Júlio Xavier, da agência Alcântara Machado. A Aninha estava começando como estagiária da produção e também como assistente de direção do Julinho. Ela era muito dedicada e empenhada nas suas funções. Como estagiária, participava das várias fases dentro da produção dos filmes, ganhando com isso experiência e naturalmente consolidando seu lugar na área de produção de filmes”, conta Silvio Matos.
“Paralelamente à minha atividade de ator desde 1962, transitei por outras áreas e técnicas relacionadas à atividade artística, como por exemplo montador de filmes, a partir dos anos 70”, explicou Silvio Matos, em contato com a reportagem do Hora Campinas.
“Nos anos 80, mudei para a TVC, uma nova produtora de filmes e de excelência na produção de comerciais, com a direção de Dorian Taterka, o Dodi. A Aninha também foi trabalhar lá, dessa vez já como uma profissional consolidada no mercado publicitário, tanto em direção de arte, quanto como assistente de direção, figurino e até coreógrafa, dentre outras atividades, como várias pesquisas para as produções da TVC”, prossegue Silvio.
“A nossa relação sempre foi de uma amizade muito legal. Estávamos sempre juntos nos trabalhos devido às nossas funções, eu como montador e ela como assistente. Isso sem falar na Alice Braga, filha da Aninha, que era criança e estava sempre com ela na sala de montagem. Como toda criança, fazia mil perguntas sobre a moviola e como eu sabia onde cortar os filmes. E essa garotinha hoje é atriz de renome internacional”, impressiona-se Silvio Matos.
“Depois, nos anos 90, passei a trabalhar na O2 Filmes, onde por algum tempo ainda nos cruzamos em algumas produções. Em 2001, me mudei para o Rio de Janeiro e perdemos o contato, mas a Aninha faz parte da minha trajetória como montador cinematográfico”, aponta Silvio Matos, atualmente com 80 anos.
Entre os principais destaques dessa nova fase de sua carreira, Ana Braga assinou direção e montagem do documentário “Oficina dos Atores”, que conta todo o processo de trabalho do elenco vindo das comunidades do Rio de Janeiro do premiado filme “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles. Ana Braga também foi responsável pelo trabalho de câmera e edição do making of do curta-metragem “Rummikub” (2007), de Jorge Furtado. As duas produções contam com a participação de Alice Braga.
Além de se envolver profissionalmente com dois dos mais importantes cineastas brasileiros, Ana Braga acumulou trabalhos para a produtora Los Bragas, criada pelas suas duas filhas, a atriz Alice Braga e a produtora Rita Moraes, junto com o diretor Felipe Braga, que não pertence à família, apesar do sugestivo sobrenome que carrega tanta história no universo artístico brasileiro e internacional.
CLIQUE AQUI E VEJA O ESPECIAL “GENTE DA HORA” NA ÍNTEGRA