O técnico Hélio dos Anjos assoprou velinhas na última terça-feira (7), mas não teve nenhum outro motivo para comemorar além da data de seu aniversário. Pelo contrário, viveu uma noite de muita chateação, e não apenas pela derrota da Ponte Preta por 2 a 0 para o Brasil de Pelotas, resultado que causou a frustrante eliminação de sua equipe para um time da Série D ainda na segunda fase da Copa do Brasil.
Muito pior do que qualquer revés esportivo, o treinador pontepretano, que completou 65 anos de idade, reportou ter sido vítima de insulto racial por parte de um torcedor adversário durante a partida. Ele comunicou à arbitragem sobre o lamentável ocorrido, mas não houve identificação do indivíduo agressor.
Apesar das ofensas racistas que alegou ter sofrido, o comandante pontepretano afirmou que não fará nenhuma denúncia por motivo de convicção de impunidade.
“No retorno do intervalo, ao adentrarmos o campo de jogo, fomos chamados pelo Sr. Hélio dos Anjos, técnico da Ponte Preta, que relatou ter sido chamado de “negão filho da p…” por um torcedor localizado na arquibancada social do Brasil de Pelotas, atrás do banco de reservas da equipe visitante. A Brigada Militar foi acionada e solicitou a identificação do torcedor. O Sr. Hélio dos Anjos não conseguiu identificar o torcedor, motivo pelo qual foi dado andamento ao jogo. Tal fato não foi presenciado ou percebido por nenhum integrante da equipe de arbitragem”, relatou o árbitro mineiro Felipe Fernandes de Lima, na súmula do jogo.
“Eu é que tenho que identificar? Eu é que tenho que sair lá e mostrar quem é? É humanamente impossível. É um absurdo isso”, esbravejou Hélio dos Anjos, sobre a não identificação do torcedor gaúcho que proferiu ofensas racistas ao treinador.
“Não vou fazer nada. Acha que vou perder meu tempo indo para delegacia falar sobre isso? Nós vamos para o hotel e viajar para Porto Alegre porque sábado temos jogo. Não adianta nem na Europa, um continente desenvolvido. Olha o que o Vinícius Júnior está passando lá. Estamos aqui pensando numa coisa que não vai mudar no País. Não muda porque não tem punição. Nem na Europa não tem”, reiterou Hélio dos Anjos, indignado com a situação.
Mesmo assim, a denúncia do treinador da Ponte Preta será encaminhada para o setor de Compliance da CBF para análise do caso e avaliações de possíveis sanções administrativas. Também existe a possibilidade de abertura de inquérito por parte da Procuradoria do STJD.
“Sou muito tranquilo para falar sobre isso, pois sou um treinador negro e é a primeira vez na minha vida, em 38 anos de bola, que fui chamado dessa palavra [negão]. Ninguém aqui está fazendo onda”, garantiu Hélio dos Anjos.
“Durante a averiguação dos acontecimentos, a torcida localizada na arquibancada social proferiu o seguinte cântico repetidas vezes: ‘Hélio, viado’. Até o término da súmula, não foi me apresentado nenhum boletim de ocorrência. Nada mais a relatar”, encerra o texto da súmula, que revela gritos homofóbicos direcionados ao treinador da Ponte Preta.
Antes do apito inicial, os jogadores do Brasil de Pelotas haviam adentrado o gramado do estádio Bento Freitas segurando uma faixa de conscientização com os seguintes dizeres: “Aqui no Brasil somos todos antirracistas”.
Entre esses atletas, estava o atacante ex-pontepretano Da Silva, que no ano passado registrou Boletim de Ocorrência (BO) por causa de ofensas racistas dirigidas a ele por torcedores do Criciúma, durante partida contra a Ponte Preta, no estádio Heriberto Hülse, pela Série B. Na ocasião, os insultos raciais ocorreram no final do primeiro tempo, quando ele fazia trabalho de aquecimento junto com outros jogadores da Macaca.
Também no ano passado, durante duelo entre Vasco e Ponte Preta, em abril, em São Januário, no Rio de Janeiro, pela Série B, o técnico Hélio dos Anjos relatou ter ouvido imitações de som de macaco vindos da arquibancada, mas tudo não passou de um mal-entendido, pois na verdade os torcedores vascaínos estava fazendo referência a um pitbull, apelido do volante Yuri Lara.