A retomada das atividades presenciais nas “normalidades” pós-pandemia tem trazido diversos desafios, que se somam ao contexto de polarização política e à grave crise econômica e ecológica que o mundo tenta adiar, sem muito sucesso, há décadas. Encarar esses desafios exige reflexões e adoção de estratégias que sejam eficazes diante da imersão cada vez mais frequente das pessoas em ambientes digital-virtuais, inclusive em uma das instituições mais elementares na produção dos tecidos estruturais que dão forma às sociedades: a escola.
Sem dúvidas, o acesso às redes informacionais têm proporcionado à educação recursos antes impensáveis para otimizar e acelerar os processos de ensino-aprendizagem, através de simulações interativas, percursos dinâmicos de autodidatismo, estimulação audiovisual, conexões multilaterais entre pessoas que ensinam e aprendem – tudo isso a partir de um colossal acervo de conteúdos em constante produção e atualização, disponível em plataformas teoricamente democráticas e colaborativas.
O tempo antes gasto com idas até bibliotecas e horas de pesquisa em jornais, enciclopédias e almanaques, ou de discussões em grupos de estudo e o exercício de leitura e diálogo com colegas, pessoas mais velhas, professores e professoras, vem sendo compactado e substituído por buscas feitas através dos smartphones a oráculos patrocinados, como a Google, geralmente incluindo ao que se busca expressões como “fácil”, “rápido”, “agora”, “resumo”.
O problema evidente é que algumas pesquisas trazem, inevitavelmente, respostas incompatíveis com a vida real. “Como ganhar dinheiro fácil”. “Como salvar o mundo rápido”. “Como resolver meus problemas agora”. “O que é amor – resumo”.
Não que antes da internet houvesse respostas fáceis, rápidas e simplórias aos problemas complexos que enfrentamos no dia-a-dia, como sujeitos e como humanidade, mas na busca pelas respostas é que se encontravam as possibilidades para o desenvolvimento pessoal.
Na interação entre pessoas com ideias, histórias e ambições diferentes, no enfrentamento às adversidades, nas negociações pelo consenso, na superação das frustrações, na exposição das contradições, na admissão do erro e na busca pela melhora, na descoberta da complexidade das relações humanas, nos laços de confiança, respeito e afetividade criados tanto pela cobrança construtiva quanto pelo abraço acolhedor, nos elogios e nas críticas.
Essa aparente facilidade de acesso à informação, muitas vezes erroneamente tomada por “conhecimento”, acaba por trazer à tona o mito de Platão numa espécie de versão digital da caverna onde as sombras da realidade externa eram projetadas, suficientes para entreter as pessoas que rejeitavam e odiavam a ideia de se libertar da ilusão que conheciam para desvendar o mundo real fora de sua prisão voluntária.
Tal como em tempos de inquisição, quem fomenta o senso crítico, a busca pela autonomia de pensamento, a libertação do marasmo e do conformismo tem sido visto como agressor, inimigo, carrasco de indivíduos que se recusam a sair da estagnação. Apegar-se em notícias falsas, negacionismos, dogmas, preconceitos e envaidecer-se tolerando apenas elogios nos torna prisioneiros da ignorância, limitados ao que já somos, como se fosse impossível ou prejudicial aprender, melhorar, crescer.
Como resumir a complexidade da existência de forma fácil, rápida, agora, na preparação de crianças e adolescentes que irão enfrentar o mundo real, onde não existem as grades invisíveis de superproteção, a alienação e as simplórias generalizações das bolhas virtuais?
Nessa explícita ruptura, manifesta-se um grande mal-estar, um estranhamento indigesto provocado pelo convite a deixar a zona de conforto alimentada por egocentrismos e imediatismos, abandonar recompensas vazias de joguinhos, dancinhas, figurinhas, ostentação de futilidades e estímulos que reforçam a ansiedade, a insegurança e a dependência de relacionar-se com algoritmos que simulam afinidade com quem somos sem nos questionar sobre nossos defeitos, nossas falhas e nossos erros.
Acontece que a faísca da aprendizagem é produzida pelo atrito das discussões, pelo calor que emana das ideias e pontos de vista divergentes, no fogo que inspira mudanças e revoluções, na transmutação de achismos, preconceitos e dogmas em ciência, através do pensamento investigativo, crítico, reflexivo, revelando sentidos e criando significado aos nossos desejos genuínos.
Da mesma forma, as lições que nos ensinam a seguir em frente passam por tropeções, tombos e equívocos até que tenhamos força, capacidade e dedicação suficientes para continuar – mesmo sabendo que experiências dolorosas e frustrações são inevitáveis quando nos propomos a viver a vida real.
Fugir e se esconder no mundo virtual é uma possibilidade tentadora diante de enfrentar os desafios num mundo concreto aparentemente caótico e completamente alheio aos nossos caprichos e fragilidades. Mas, e se, ao invés de odiar quem nos convida e nos desafia a enfrentá-lo, aproveitássemos a oportunidade de desenvolver competências e habilidades para lidar com frustrações, inseguranças e incertezas, de forma colaborativa, na busca por superar limitações e assumir, até onde for possível, a direção de nossa jornada?
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo e mestre em linguagens, mídia e arte.