Foram menos de 12h entre o assassinato do prefeito Antônio da Costa Santos, por volta das 22h de 10 de setembro de 2001, e os ataques ao Word Trade Center, numa sucessão de imagens que impactou o planeta. Muita gente dormia quando Toninho era atingido na Avenida Mackenzie, só ficando ciente da tragédia ao despertar. O Correio Popular, à época o principal veículo impresso de Campinas, dedicou uma cobertura especial, num caderno feito às pressas e em meio ao choque de sua equipe de jornalistas. Mesmo para profissionais experimentados a tragédias, aquela noite foi de completa perplexidade e tristeza. O ofício segurou o time para avançar a madrugada e concluir aquela edição marcante, por volta das 4h.
Enquanto os campineiros choravam a morte de Toninho, buscando mais informações no noticiário, numa época em que a internet ainda engatinhava e o celular não era smartphone, emissoras de TV entravam ao vivo para mostrar as Torres Gêmeas em chamas. Foram momentos de choque. Aturdidos pela tragédia que se abatia sobre a cidade, desmoronando a esperança sobre um homem que reunia todas as condições para um governo de excelência, os campineiros eram sacudidos pelo terror. Ver pessoas se atirando daqueles arranha-céus era demais para a dor que já havia atingido os corações numa Campinas sedenta por resolver os seus problemas cotidianos.
No início dos anos 2000, um dos grandes males que assombrava os campineiros era justamente a violência. Números impensáveis de homicídios ao ano, latrocínios em escalada, sequestros-relâmpagos, ataques em semáforos, furto e roubos de veículos e outros crimes assolavam a cidade. Facções do crime organizado estavam em evidente organização e um nome gerava calafrios: Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, com ficha criminal de mais de 50m de extensão e pena superior a 700 anos de prisão, cumulativas por crimes como sequestro. Andinho cumpre pena desde 2002 no sistema penitenciário paulista.
Perfil de Campinas
Quando Toninho foi assassinado, Campinas ainda não havia alcançado população superior a 1 milhão de habitantes. Segundo censo do IBGE de 2000, eram aproximadamente 967 mil habitantes. Mas já era uma metrópole e havia acabado de ser alçada à condição de sede de região metropolitana. Na eleição de 2000, a chapa encabeçada por Toninho (Izalene Tiene era sua vice e, depois, assumiu a Prefeitura) derrotou o tucano Carlos Sampaio. A disputa foi tensa, ocasião em que PT e PSDB polarizavam, também em outros cantos do País, as campanhas. Era um pequeno traço do que hoje se vê na política nacional.
A Câmara Municipal de Campinas era presidida pelo então vereador Romeu Santini (falecido em 2018) e o atual prefeito Dário Saadi era um dos 21 vereadores (33 cadeiras a partir de 2005). O ex-prefeito Jonas Donizette também compunha o Legislativo antes de assumir vaga na Assembleia paulista.
Campinas já exibia pujança econômica invejável, com parque industrial moderno, diversificado e composto por segmentos setoriais complementares. A área de serviços estava em franco desenvolvimento. O Aeroporto Internacional de Viracopos ainda não havia decolado em sua robustez atual, o que aconteceria anos depois.
À época, Campinas tinha inúmeros gargalos sociais (parte não corrigidos, mas atenuados). As regiões Sudoeste e Noroeste da cidade reuniam os bairros mais carentes, com infraestrutura precária e suporte a serviços públicos deficiente. A área conhecida como “o outro lado da Anhanguera” seguia como principal desafio das políticas públicas. Isso só foi mitigado ao longo dos anos seguintes, com investimentos em mobilidade urbana, melhoria dos corredores de tráfego, ampliação da rede do SUS, chegada de centros comerciais, entre eles shoppings, e a criação dos distritos do Ouro Verde e Campo Grande, que abriu as portas para um trabalho mais organizado de gestão pública.
O telefone tocou algumas vezes
Por volta de 22h daquela noite, 10 de setembro de 2001, o telefone tocou na redação. A telefonista transferiu para o ramal onde era editada a capa do Correio Popular. O editor que finaliza aquela edição atendeu. Uma voz feminina, do outro lado, perguntou quem era. O jornalista se identificou. E em seguida ocorreu o seguinte diálogo (talvez não exatamente com essas palavras, mas com esse sentido) .
_ Não posso me identificar, sou enfermeira. Tenho uma notícia muito ruim para falar.
_ Pois não, pode dizer.
_ Mataram o prefeito!
_ Você está brincando? Onde você está?
_ Não posso dizer.
_ Moça, isso é sério!
_ Pode ligar para o Samu. Estou vendo ele aqui, no banco do carro.
_ Ok, vamos ligar para a polícia e para o Samu. Você tem certeza?
_ Não posso falar mais nada!
Outros ramais receberam telefonemas. Um deles caiu no setor da Fotografia. O fotojornalista Carlos Bassan era o último que estava à noite. Ele atendeu a ligação, ouviu um relato de que teria tido um crime perto do Shopping Iguatemi e a vítima era um “bambambam”. Após desligar, soube por outros colegas da redação, entre eles o jornalista Paulo Planta, que a vítima poderia ser o prefeito Toninho. Pegou sua bolsa, lentes fotográficas, conferiu a bateria e correu para o local.
Agonia e confirmação
Os minutos se seguiram em escalada cardíaca. Paulo Planta, o jornalista do time do Diário do Povo, integrado ao Grupo RAC e dividindo o mesmo ambiente de trabalho dos colegas do Correio, também pegou o veículo do jornal. Ao lado do fotógrafo Carlos Bassan, foram os primeiros profissionais de imprensa a chegarem à cena do crime. A trágica notícia era confirmada. Assim que a informação corria, outros profissionais, que já estavam em casa ou em bares da cidade, tomando a sua cervejinha, com o senso do profissionalismo e o sangue do ofício nas veias, passaram a voltar para a redação. A partir dali, seguiram-se horas de correria para colocar nas bancas e nas casas dos assinantes uma edição tristemente impactante, com uma notícia que ninguém de bem gostaria de ler.
O 11 de Setembro
A manhã de 11 de setembro de 2001 foi devastadora para a cidade. No Paço Municipal, em clima de comoção, o corpo de Toninho era velado. A família aos prantos, seus amigos dilacerados e as forças políticas e sociais atônitas, juntando os cacos. Às pressas, Izalene foi empossada, em situação que julgou constrangedora e forçada. Em depoimento ao Hora Campinas, disse que enfrentou machismo e desconfiança.
Jornalistas, por sua vez, tentavam buscar detalhes do crime, contextualizar a curta passagem de Toninho pelo poder e resgatar os muitos projetos que ficariam travados. Nas redações, teses de crime político, interesses escusos da elite econômica e teorias de um assassinato comum misturavam-se ao choque e à responsabilidade de fazer o melhor jornalismo possível.
Dor e luto
Não há paralelo nos dois episódios de dor e luto. Há obviamente a linha do tempo que une a tragédia campineira e os ataques terroristas que abalaram o mundo. Mas nem Campinas nem o mundo foram os mesmos depois daquele hiato temporal de menos de 12h.
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