Padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, criticou o projeto “Vem com a Gente”, da Prefeitura de Campinas. O programa cadastra as entidades que doam alimentos para a população em situação de rua, principalmente na região central, e determina lugares específicos para o consumo das refeições. Quem desrespeitar o decreto assinado no último dia 28 pode ser multado. O padre classificou a medida de higienista. O Ministério Público (MP) do Estado de São Paulo instaurou inquérito para averiguar possível violação de direitos humanos.
A ideia do projeto é colocar um fim na prática adotada por um grande número de entidades de assistência, que distribuem o alimento nos locais onde os moradores estão concentrados – muitas vezes, em praças e outras áreas públicas.
Segundo o prefeito, a distribuição será descentralizada e realizada por 50 entidades já cadastradas, em todas as regiões da cidade. Elas deverão oferecer o alimento em locais fixos – para onde o morador de rua tenha de se deslocar –, onda possa ter acesso a banheiro, fazer a refeição sentado à mesa e tenha possibilidade de realizar a assepsia das mãos.
De acordo com o projeto, os primeiros 15 dias vão ser de orientação, mas distribuição do alimento fora desses locais será proibida na cidade, podendo gerar multa a quem desobedecer.
“Essa medida é higienista porque determina onde pode ser fornecida a alimentação, travestida de humanismo, quando na verdade é controle social sobre quem vai receber a alimentação e sobre quem alimenta”, afirma Padre Júlio.
Ele lembra que a situação atual é de crise humanitária.
“O empobrecimento e a fome se tornaram galopantes na sociedade. Uma das coisas mais absurdas é multar quem está doando. Vou ser multado se eu estiver passando na rua e alguém me pedir uma marmita ou um lanche e eu der?”, questiona. “De forma indireta é um jeito de tirar essas pessoas do Centro. Por trás disso está o interesse dos comércios e de outros grupos”, afirma.
Padre Júlio diz que foi procurado e conversou com a secretária de Assistência Social.
“Ela é muito simpática, gentil. Disse que vai chamar todas as entidades para conversar, os grupos religiosos ou não, as pessoas de rua. Eu pedi uma dilação no prazo para começar a valer as novas regras”, explica.
“Os números que a cidade apresenta de pessoas em situação de rua não são suficientes para se falar em desordem pública. Com tantos problemas que tem a cidade, se as pessoas estivessem fazendo uma coisa má, mas estão entregando alimento, não arma, não drogas, não munição”, finaliza o padre.
MP
O Ministério Público instaurou um inquérito civil para avaliar a situação.
“A apuração tem por finalidade avaliar eventual violação de direitos humanos com a restrição no fornecimento de alimentos à população em situação de rua em Campinas. A Promotoria de Justiça de Campinas aguarda resposta de ofício”, informa.
Prefeitura
A Prefeitura, por sua vez, ressalta que o objetivo do projeto “Vem com a gente” é organizar a distribuição de refeições doadas pelos voluntários para que a população em situação de rua tenha um local em que possa se alimentar de forma digna, sentada à mesa e com acesso à higiene. E que ninguém está impedido de fazer doações de alimentos.
“O que a Prefeitura quer é organizar essa distribuição e garantir a dignidade das pessoas em situação de rua. Tanto que a Administração Municipal já providenciou 16 locais no centro e em outras regiões da cidade para receber essas doações e servir as refeições e vai continuar a busca por novos espaços e a cadastrar entidades parceiras. O objetivo não é punir ninguém, mas, sim, garantir a alimentação, com dignidade, dos moradores de rua. A Prefeitura informa também que não foi notificada pelo Ministério Público e que está à disposição para prestar todos os esclarecimentos necessários”, argumenta.