O passeio é um momento diário importante para o cachorro, pois é quando consegue expressar os comportamentos naturais da espécie, como cavar, farejar, marcar território, gastar energia física e mental. Muitos donos, inclusive, o levam ao passeio sem coleira, geralmente com a justificativa de dar mais liberdade a ele, ou reforçando que é bem treinado e obediente. No entanto, a escolha de passear com o peludo solto pode trazer sérios riscos e consequências – ao próprio cachorro, ao seu tutor e aos demais (humanos e não humanos) em seu redor.
De acordo com Camilli Chamone, geneticista, consultora em bem-estar e comportamento canino e criadora da metodologia neurocompatível de educação para cães no Brasil, há humanos que acreditam ter total domínio sobre o cachorro – algo, segundo a ciência, ilusório. “Não temos esse controle absoluto nem sobre nós mesmos, cujos cérebros são o mais desenvolvidos. Em momentos de raiva, uma pessoa é capaz de falar o que não deve e se arrepender depois, ou machucar psicológica e fisicamente alguém. Estes são exemplos de comportamentos nocivos, que provam que o autocontrole absoluto não existe. Como, então, conseguiríamos controlar 100% um terceiro – e, pior, um animal?”, reflete.
Conforme a especialista, ainda que o cão tenha uma rotina de passeios há anos, solto e sem nenhum problema, isso não assegura o controle do dono e não traz segurança para o futuro.
Além da falta de controle humano, outro fator de perigo para andar com o cachorro solto se relaciona com o fato desse animal (independentemente do tamanho ou raça) ter o desenvolvimento cognitivo e emocional equivalente ao de uma criança de dois anos de idade.
“Se for exposto a situações consideradas ameaçadoras (como buzinas, rojões, trovões, veículos em movimento, animais passando, pessoas gritando ou se locomovendo), o cérebro do cão vai reagir imediatamente, e não racionalizar diante do fato. Assim, ele pode institivamente fugir, causando uma série de transtornos: pessoas (em especial crianças e idosos, mais vulneráveis) correm o risco de caírem e ‘serem atropeladas’; também há chances de acidentes no trânsito, capazes até de matar o animal, o condutor ou outras pessoas que sequer deram causa à situação. Ainda sob ameaça, o cão pode atacar a qualquer momento, causando desde ferimentos até fatalidades – mesmo que nunca tenha mordido ninguém antes”, enumera a geneticista.
Os riscos, alerta, não são apenas do cão e do dono, e é preciso lembrar que a rua é um ambiente do povo, que deve ser respeitado. A lógica vale para todas as raças e portes, pois “o cérebro de um shitzu, por exemplo, funciona exatamente da mesma forma que o cérebro de um pastor alemão ou de um cão sem raça definida”, exemplifica Chamone.
De acordo com Chamone, é importante que os donos entendam que o equipamento de passeio é uma ferramenta de segurança, pois minimiza todos esses riscos.
“Ele tem função semelhante à de um cinto de segurança: quando os humanos entram no carro e colocam o cinto, o objetivo não é educar o motorista a dirigir, mas sim proteger quem está dentro do veículo, caso aconteça um incidente. Com o cão é a mesma lógica: a coleira funciona como um ‘cinto’, protegendo-o de cenários que o coloquem em risco”. Como o equipamento, a coleira, não tem o objetivo de educar ou de punir, não é necessário usar no cachorro algo que o machuque ou cause desconforto.
Legislação e bom senso
Há leis estaduais e municipais que proíbem cachorro na rua sem equipamento de passeio, prevendo multas e apreensão do animal, a depender do local. Além disso, o Artigo 159 do Código Civil menciona dano a terceiro e o dever de indenizar – neste caso, se já tiver acontecido algo drástico, como uma agressão.
Ainda assim, a legislação é pouco respeitada no dia a dia. “Em meus atendimentos, as pessoas relatam sofrer cotidianamente com o comportamento de donos que andam com cães sem a guia, em várias partes do País. Muito se fala sobre corrupção e não obediência às leis, mas pouca atenção se dá a quem comete pequenos delitos, que também infringem a liberdade e o bem-estar das pessoas. Isso indubitavelmente deveria ser repensado como um valor moral”, opina a geneticista.