Ninguém melhor que um escritor como Julio Cortázar (1914-1984), que transitou com brilho singular entre a literatura fantástica e a denúncia social, para descrever como seria o futuro. O texto a seguir foi tirado de “Morelliana”, Capítulo 71 do “Jogo da Amarelinha”, a obra-prima de 1963. Assim narra Cortázar, depois de vislumbrar como seria, em sonho, um reino idílico, utópico:
Além de tudo, é preciso ser imbecil, ser poeta, é preciso ficar a ver navios para perder mais de cinco minutos com estas nostalgias perfeitamente liquidáveis a curto prazo. Cada reunião de gerentes internacionais, de homens-de-ciência, cada novo satélite artificial, hormônio ou reator atômico esmagam um pouco mais estas enganosas esperanças. O reino será de matéria plástica, não resta dúvida.
O futuro chegou, sessenta anos depois, e nós somos de matéria plástica, a cidade onde vivemos, a casa onde moramos, são de matéria plástica. O plástico é a perfeita tradução da sociedade contemporânea. O artificial por excelência, o divórcio completo da natureza. E um material feito a partir do petróleo, um dos combustíveis fósseis que construíram a vida como conhecemos e que a estão destruindo da mesma forma.
Nada mais cômodo, do que em nossa vida cada vez mais cômoda e acomodada, do que o plástico. Sujou? Não precisa limpar. Use algo de plástico e jogue fora. Copo plástico, garrafa plástica, sacola plástica etc etc. Esse use e jogue fora é a senha para a contemporaneidade, o nosso modo de vida (?) do descartável. É um dos portais para a nossa ruína civilizatória.
Todos usamos plástico, eu uso plástico, quem não usa plástico? É possível nos livrarmos do plástico? O plástico que polui cada vez mais os oceanos, que as tartarugas marinhas e outras espécies engolem e assim acabam morrendo?
O plástico passou a ser fabricado e consumido em massa na década de 1950. Desde então, a produção anual cresceu mais de 200 vezes. Nas últimas décadas avançou a prática da reciclagem, mas em volume insuficiente para dar destinação adequada para os resíduos de plástico, que são gigantescos. No Brasil, estima-se que 20% do plástico são encaminhados para reciclagem. A maior parte dos resíduos é levada para aterros, que estão com capacidade cada vez mais saturada.
Uma grande parte dos resíduos está indo para os rios e oceanos, com grande impacto na vida marinha.
Um estudo publicado por equipe de cientistas internacionais, e divulgado na revista PLOS ONE em março deste ano, revelou que os oceanos contêm mais de 171 trilhões de partículas de plástico. O estudo é resultado de uma pesquisa em 12 mil pontos de amostragem, entre 1979 e 2019. Os cientistas afirmaram que a concentração de microplástico nos oceanos tem crescido aceleradamente nos últimos anos.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) considerou a grave questão dos plásticos como o tema central do Dia Mundial do Meio Ambiente deste ano. Várias ações foram executadas no último 5 de junho nesse sentido.
As Nações Unidas lançaram um plano para equacionar o drama dos plásticos até o ano 2040. As soluções dependem de um enorme esforço conjunto, de governos, empresas e cidadania em geral. Mas terá que ser feito, da mesma forma que a crise climática, que tem recebido maior atenção nos últimos tempos.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]