“Eu fechei meus olhos e fui me encostando na ponte. Eu pensava que estava com um paraquedas, pois assim seria mais fácil me jogar.” A vendedora Renata Martinez Gonçalves muito provavelmente não estaria hoje, seis anos depois, contando sua história não fosse um imprevisto. A intervenção de dois desconhecidos a impediu de se atirar de uma ponte nas proximidades da Rodovia Dom Pedro I naquela noite no final de 2016. Nem todos, no entanto, têm o mesmo destino. O desfecho, muitas vezes, é fatal.
O Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, é uma tentativa de mudar essa triste realidade.
Dados do DataSUS, divulgados recentemente, apontam que nos últimos 20 anos os suicídios no Brasil subiram de 7 mil para 14 mil, mais de um a cada hora. Isso sem contar os casos que não são notificados. O número é maior do que o de acidentes de moto no período.
Renata esteve perto de reforçar essa estatística em função de uma depressão causada por um relacionamento abusivo. Traída e ignorada pelo companheiro, ela se via só e rejeitada, ao ponto de não sentir mais ânimo para viver. “Emagreci 11 quilos em um mês”, lembra. “O que eu comia, vomitava. Fui parar no hospital, estava muito fraca.”
Renata conta também que chorava o tempo todo e se escondia. “Foram dias terríveis”, define. No entanto, ela deu a volta por cima.
“A ação da família e dos amigos nesses momentos é muito importante. Eles sempre me valorizavam, tentavam me colocar para cima e tudo isso fez a diferença.” Outro fator determinante para a superação foi o nascimento da filha Alice. “Quando ela nasceu, eu vi que não estava mais sozinha e que eu poderia ser amada por aquele ser.”
Hoje, aos 33 anos, Renata se diz completamente recuperada. E o trauma do primeiro relacionamento foi vencido após a convivência com o atual companheiro. “Deus me presenteou com um homem maravilhoso, que me faz acreditar nas coisas importantes da vida, como amor, esperança, alegria”, celebra. “E em casa hoje são três crianças. Não tem como ficar triste.”
Natal tenso, mas abençoado
O que fazer diante de uma pessoa que está pronta para se matar? Maicon Pesce, inspetor do Corpo de Bombeiros Voluntários de Nova Odessa, fez essa pergunta para si mesmo na noite da véspera de Natal do ano passado, ao atender duas ocorrências seguidas envolvendo tentativas de suicídio. E a resposta veio no meio da tensão.
“Ao chegar na casa, um homem estava com a faca no pescoço dizendo que iria se matar. O que eu fiz foi tentar ganhar a confiança dele, com calma e paciência, dizendo que estávamos ali para ajudar. Aos poucos, o homem foi mudando de atitude até largar a faca”, conta.
Duas horas depois do caso resolvido, a corporação foi acionada novamente para intervir em situação semelhante. “Quando chegamos ao local, havia sangue para todo o lado na casa. Entramos no quarto e a mulher estava com os dois pulsos cortados. Ao nos ver, ela disse que não podíamos fazer mais nada. Mas, novamente com diálogo e paciência, fomos ganhando a confiança da mulher, que foi cedendo. Conseguimos estancar o sangue e leva-la ao hospital”, lembra.
Olhar de esperança
A demonstração de apoio é um dos principais fatores para tentar combater a depressão, diz a psicóloga Maria das Graças Guedes. “É necessário que a pessoa com intenção suicida possa contar com uma rede de suporte entre familiares e amigos”, explica, ressaltando que a incapacidade de resolução de conflitos internos gera o desinteresse pela vida.
“Todos passamos por momentos difíceis e nos sentimos tristes, todavia superamos e seguimos com a vida. Por outro lado, há pessoas que não conseguem enfrentar seus tramas sozinhos, desenvolvendo, assim, uma depressão”, comenta a psicóloga, que reforça: “Cabe ressaltar a importância de lançarmos um olhar de esperança, de modo que as pessoas com tal sofrimento possam voltar a acreditar em si e na vida.”
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