Por Letícia Franco, Especial para o Hora Campinas
A participação das mulheres na política de Campinas ao longo dos anos foi o tema escolhido por Letícia Franco e Giovanna Langella, então estudantes da PUC-Campinas, para o seu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, defendido no fim de 2022. A reportagem multimídia ELAS NO PODER expõe como o machismo e a baixa representatividade feminina fizeram parte das diferentes legislaturas, e marcam até mesmo o espaço geográfico da Câmara Municipal: a Casa só teve um banheiro feminino 41 depois do início do trabalho do Legislativo na cidade.
O TCC, orientado pela professora Juliana Doretto, resgata desde as pioneiras até as vereadoras da legislatura atual, que, apesar de ter a maior bancada feminina da história (com quatro vereadoras entre as 33 cadeiras), ainda revela a pequena participação das mulheres na vida pública do município.
Em 225 anos do Poder Legislativo em Campinas, apenas 18 mulheres ocuparam esse espaço.
Já no Executivo, Izalene Tiene foi a única a assumir o cargo mais alto da administração municipal, em 2001, após o assassinato do então prefeito, Toninho do PT.
A cidade conheceu a primeira mulher a compor a Câmara Municipal mais de 150 anos após a fundação da Casa, em 1948. Vera Pinto Telles – eleita como suplente – ocupou uma das 30 cadeiras disponíveis depois da reabertura da Câmara, que havia sido fechada quando Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo, em 1937. Na mesma legislatura (1948-1951), a professora Sylvia Simões Magro também assumiu o mandato como suplente.
A socióloga e professora da PUC-Campinas Stela Godoi ressalta a força dessas mulheres, que romperam barreiras no século XX, desconstruindo a ideia de que a mulher tinha de ficar em casa: “Nessa época, exercer cargos políticos representava uma responsabilidade diferente, porque as mulheres precisavam lidar com o ideal feminino.”
Quatro mandatos se passaram até que a população de Campinas pudesse ter novamente uma mulher como sua representante. A advogada Enéa Raphaelli foi vereadora entre os anos de 1969 e 1972, e se tornou a primeira mulher escolhida por voto direto na cidade. No mandato seguinte, que ocorreu de 1973 a 1976, foi a vez da radialista Clara de Oliveira, também eleita durante a ditadura militar.
Redemocratização
Com o fim da ditadura militar, em 1985, Campinas experimentou uma situação inédita na Câmara Municipal. Em 1988, as ex-vereadoras Vanda Russo (PT), Célia Leão (PSDB) e Arita Pettená (PTB) foram eleitas entre as 22 cadeiras da Casa e exerceram mandato entre os anos 1989 e 1992. Foi um número recorde até o mandato atual (2021-2024).
Vanda Russo afirma que sofreu machismo em diversas ocasiões, e classifica o período como difícil.
“Quando eu participava de uma comissão junto com o vereador Marco Abi Chedid, do PFL, ele não comparecia nas reuniões. Então, eu fiz um pedido para que ele saísse da comissão. Quando ele soube, no Plenário da Câmara, ele falou que me deixaria nua e outras coisas que não quero colocar aqui. Coisas que ele não falaria jamais para um homem”, conta.
Apesar da presença de três mulheres na primeira eleição após a ditadura, no mandato seguinte, de 1993-1996, não houve nenhuma representação feminina. Apenas na legislatura que teve início em 1997, as mulheres voltaram à Casa: a assistente social Ester Viana esteve entre os 22 vereadores.
Prefeitura
Durante o mandato 2001-2004, a presença feminina na política municipal chega também ao Executivo. Izalene Tiene (PT) foi a primeira e única mulher a assumir o cargo de prefeita em Campinas. Ela foi eleita vice-prefeita de Toninho do PT, e ocupou a cadeira até o fim do mandato após o assassinato do prefeito em 2001.
O vídeo abaixo traz detalhes da gestão da única prefeita, marcada por machismo e pressão não apenas dos vereadores, mas também da imprensa da cidade.
No mesmo período, Maria José Cunha (PT) foi a primeira vereadora negra de Campinas, exercendo seu mandato junto com Teresinha de Carvalho (Patriota). Ambas atuaram no combate à violência doméstica e pela liberdade política das mulheres.
No pleito seguinte, Teresinha se reelegeu, e mais mulheres foram eleitas: Marcela Moreira (Psol), Leonice da Paz (PTB) e Izabel Rocha (PTB). Já Neusa do São João (PSB) foi a única vereadora entre 2013 e 2016.
Mandato atual
Além da maior participação feminina, com quatro vereadoras, a atual conjuntura do Legislativo teve uma mulher presidente da Casa pela primeira vez. Débora Palermo (PSC) assumiu a cadeira durante o afastamento de Zé Carlos (PSB).
Essa legislatura também mostra o progresso nas representações ativistas das mulheres nos espaços de poder.
Mariana Conti (Psol), Guida Calixto (PT) e Paolla Miguel (PT), que hoje ocupam cadeiras na Casa, são representantes de causas sociais, feministas, antirracistas e da comunidade LGBTQIA +. No entanto, esse movimento é acompanhado de agressões de cunho machista e racista contra as vereadoras.
A socióloga Doraci Lopes acredita que a baixa representatividade feminina é uma das causas para a ausência de fortes políticas públicas voltadas para as mulheres, sobretudo as de baixa renda.
Para ela, uma cultura política de diálogo com os movimentos sociais pode ser uma alternativa. “Discussões do poder público municipal com os movimentos feministas podem contribuir para políticas que atendam às particularidades das mulheres da cidade e, consequentemente, para o aumento de candidaturas e eleições femininas”, diz.