Estava com uma ideia e ela escapuliu com a música do Viola de Todos os Cantos. E assim fiquei matando a saudade de bons amigos cantadores. E de onde vim não interessa mais. Ninguém quer saber mais de onde você veio, meu raro leitor. E não importa.
Mas bem sei de onde muita gente veio, muitos amigos, alguns já partidos, outros se aguentando como eu, teimosos contra o tempo, sem ofender, é claro a senhora dos tempos, a morte, que escrevo em letras menores, pois essa senhora não precisa de vaidade maiúscula, palavras robustas, filosofias maiores, manchetes em jornais.
Vim de um lugar que não conheci, o ventre da minha mãe. E nem sei o que aconteceu quando saí de seu corpo e vim para um mundo que nem sabia que era o mundo. Já ando rodado por aí. Tive boas companheiras, duas partidas, filhos e agora ando por aí com as minhas ideias, palavras, canções e plantas, sempre cuidado por uma moça que me honra com o seu carinho. E que ela seja sempre assim, serena com a sua companhia, tocando a sua viola caipira nos olhos, na sua pele de cetim.
Fico bestando algumas coisas de letras, palavras e frases e nada acontece. Nem sempre a vida nos oferece o que desejamos. E assim recolho os meus neurônios em uma bacia de água de quarador e lembro da minha mãe regando as roupas naquelas tardes de quintais. Minha mãe era um silêncio doméstico. Mas às cinco da tarde ela se juntava ao coro das mães que chamavam os filhos para o lanche da tarde…
Agora escuto Mônica Salmazo. E ontem encontrei o amigo Ding Dong comprando queijo meia cura no mercadinho da Barão de Jaguara. E proseamos sobre cantar e fazer uma live. Talvez façamos. Talvez fique apenas na boa prosa de um mercado…
As minhas ideias desapareceram do campinho dos meus sonhos e devem estar tomando banho de bacia e se preparando para tomar sopa de feijão. E depois ouvir o rádio tocando músicas que o tempo iria nos fazer se entender como homens.
Lembro dos pais do Ding Dong, do seu mano Wagner Geribelo, da casa alegre e cheia de sons e aromas. E agora do silêncio. Lembro da minha mãe picando cebolas e catando feijão. Lembro do meu pai saindo para o trabalho em seu terno branco e chapéu panamá, subindo a ladeira rua vilagelin neto, carregando uma misteriosa pasta negra, pesada de curiosidade.
Minha mãe acenava do portão de casa, e ele respondia e só voltava quando o sol descia, chapéu capengando, terno de linho amarfanhado, e carregando a mesma pasta negra, misteriosa, e recebendo um abraço de bem-querer da minha mãe no portão da moradia. Nada sei dos meus manos, mas bem lembro que ficava esperando o meu pai para o abraço da minha mãe. E tudo estava em ordem e assim eu ia dormir sossegado na minha cama Patente.
Minha mãe era o meu pai. Minha mãe era o meu futuro pretérito. Seria assim como ela, um pai quase mãe, uma coisa esquisita de dizer, mas agora sei que a poesia resiste no ventre de toda mulher, seja ela de boa família, ou uma rameira de esquina, pois aprendi pelas noites da vida que homens e mulheres só desejam paz e tranquilidade no grande mistério da vida.
Não acho nada de importante no que fiz pelos anos que dediquei à palavra, aos meus ideais, à minha ética e estética, visto que dependo de uma e de outra, sem pesar uma ou outra, apenas constatar que ambas são irmãs de meus valores existenciais. E sigo em frente.
A vida segue besta e boa. O violão está quieto no seu canto e não reclama do seu abandono. Abandonado estamos todos nós pelo governo federal – não, não quero falar de merda. Não quero nada disso. Quero mesmo é um cheiro de mãe, talco ross, ou mesmo de sabão minerva. Quero o aroma da vida da minha mãe, do perfume que ela usava quando o meu pai a convidava para dançar no Clube da Saudade da Barão de Jaguara.
Meu pai e minha mãe. Eu e meus sete irmãos. A sala pequena para tantos filhos e a televisão engolia os nossos olhos. Minha mãe cobria os filhos e a cidade adormecia. E tudo recomeçava no outro dia, escola, lição de casa, campinho de futebol, banho e chinelada de mãe. E o pai chegando do trabalho.
A mãe beijando o pai e a vida seguindo entre as paredes da casa. E a sopa que tomo hoje é a mesma que a mãe fazia. Afinal, sempre gostei das boas coisas da vida. Bom dia.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico