Você vai ao posto de saúde da sua cidade e pergunta que vacina está sendo aplicada? Se não for o imunizante de sua preferência, você dá meia volta? Você se lembra se fez isso quando levou seu filho para tomar a vacina BCG? Ou adotou esse comportamento quando foi proteger-se contra a gripe numa das inúmeras campanhas do Programa Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde?
Esse novo enredo da saúde pública passou a ganhar relevância no País nas últimas semanas, impulsionado pela polarização política, disseminação de fake news e falta de bom-senso. E, pela primeira vez, aparece num levantamento metodológico, realizado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM).
A pesquisa, feita entre os dias 5 e 8 de julho, evidencia o interesse da escolha de vacinas por parte da população. Em 68,5% dos municípios consultados, um total de 1.860 cidades do universo abordado, a escolha pelo tipo da vacina é uma prática comum. Isso não significa que é um comportamento da maioria, ao contrário, é de uma minora, mas com impacto nas operações dos agentes.
O trabalho da CNM indica que os chamados “sommeliers de vacina” estavam em plena ação nestes locais avaliados pela pesquisa, que aponta que esse comportamento não está ocorrendo em 20,2% das cidades-alvo da pesquisa. A CNM informa que a vacina da Janssen (de dose única) já foi distribuída para 89,4% dos municípios consultados. Jansen e Pfizer são os imunizantes preferidos. A CoronaVac, fruto de ´parceria entre a chinesa SinoVac e o Instituto Butantan, é a mais rejeitada. Porém, foi o primeiro imunizante a ser aplicado no Brasil.
A pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM) sobre a Covid-19 ouviu 2.715 gestores, o que representa 48,8% do total de prefeituras do País.
Campinas põe no fim da fila
Para inibir comportamento de “sommeliers da vacina”, municípios da Região Metropolitana de Campinas (RMC) começaram a adotar estratégias de enfrentamento. Desde a campanha do Dia D, desta sexta-feira em Campinas, quem manifestava preferência por imunizante e se recusasse a receber a dose disponível, iria para o fim da fila. A recomendação dos gestores da Saúde era exigir que a pessoa assinasse um termo de responsabilidade pela sua decisão. Caso se negasse, duas testesmunhas do fato assinariam o documento.
Valinhos também prepara termo
Em Valinhos, já está sendo adotado um termo de responsabilidade para as pessoas que se recusam a receber o imunizante disponível. A iniciativa, conjunta, é da Secretaria Municipal da Saúde, Departamento de Saúde Coletiva e Vigilância Epidemiológica. No termo, está escrito: “Declaro que tomo essa decisão
livremente mesmo tendo sido orientado a receber a imunização, de modo que assumo a responsabilidade por qualquer problema que tal escolha possa acarretar para minha saúde e que, por fim, perco o direito à ordem cronológica da vacinação, sendo realocado na fila da imunização após concluída a vacinação de todo o público adulto da vacina…”
No termo, há um espaço para a pessoa que se recusou, o vacinador e uma testemunha.
Palavra de especialista 1
O professor titular da Unicamp Carmino Antônio de Souza, ex-secretário de Saúde do estado de São Paulo e da cidade de Campinas, condena o comportamento de quem escolhe a vacina. “A questão da vacina é crítica e fundamental, não só para o indivíduo, mas também para a coletividade. A única medida realmente efetiva para evitar a transmissão, além das não-farmacológicas, como distanciamento, higiene e uso de máscara, é a vacina. Ela pode proteger individualmente e coletivamente. Não vacinar é um ato de absoluta insanidade”, argumenta Carmino, colunista do Hora Campinas.
“É um ato de infração sanitária numa pandemia como a que estamos vivendo”, afirma Carmino, sobre os ‘sommeliers de vacina’
Para ele, negar a importância da vacina a essa altura, “é negar todos os avanços que estamos tendo de maneira impressionante”. “Temos que vacinar para que haja uma proteção individual e coletiva para que possamos sair dessa dramática crise sanitária”, concluiu o médico.
Palavra de especialista 2
Em entrevista à Revista Veja, a pesquisadora Sue Ann Costa Clemens, pesquisadora da Universidade de Oxford e coordenadora dos estudos clínicos da AstraZeneca, critica o comportamento de quem quer escolher o imunizante. “Enquanto você está esperando determinada vacina, que você nem sabe se vai conseguir tomar, os casos estão aumentando e o vírus está circulando”, adverte. “A melhor vacina é aquela que está sendo injetada em nosso braço, no espaço de tempo mais curto possível. Então, se você tem a chance de ser vacinado, ,por favor, se vacine”, pondera a cientista.
Panorama da pesquisa da CNM
Em relação ao aumento de casos, 16,4% dos pesquisados na pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) declararam que houve aumento do número de pessoas infectadas; 34% se mantiveram no mesmo patamar; e em 43,5%, houve redução de positivados. Pela quarta vez consecutiva, a pesquisa da CNM aponta a manutenção de novos infectados em níveis altos.
O crescimento de casos continua concentrado nos municípios de pequenos e grandes, com 17% e 10% do total.
Mortes
Enquanto 22,7% das localidades participantes da pesquisa afirmam que o número de mortes se manteve estável e 16,9% sugerem uma diminuição, em 46,3% dos municípios pesquisados não houve nenhum óbito de Covid-19 na semana pesquisada. Contudo, 12,7% têm a ocupação dos leitos das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) com ocupação acima de 95%; 14,8% estão com a capacidade de lotação em 90%; 16,7% acima de 80%; 25,3% das cidades estão 60% e 80%; e apenas 15,9% estão com os leitos abaixo de 60% de ocupação.
Houve redução na quantidade de municípios com risco de ficar sem os medicamentos do “kit intubação”, 9,8% dos municípios podem ficar sem condições de atender aos pacientes em estado grave. Medidas de isolamento social, como fechamento de serviços não essenciais e outras ações, ainda estão sendo adotadas por 72,4% dos municípios nesta semana, conforme detalha a ampla pesquisa.