A chegada de um novo ano sempre traz consigo a promessa de deixar pra trás dores e angústias, na expectativa de criar recomeços e buscar motivação para alcançar metas ou realizar sonhos, quase como se o universo, na mudança do calendário, conspirasse para que se tornem mais tangíveis.
Da mesma forma que o calendário não volta no tempo, deixar o 22 no passado simboliza a inspiração de seguir em frente, ainda mais depois de quatro anos de graves retrocessos socioeconômicos, culturais e ambientais, além das desastrosas consequências da sindemia causada pela Covid-19 e o agravamento de guerras no Oriente Médio e na Ucrânia.
A volta de Lula à Presidência do Brasil, 12 anos depois de seu segundo mandato, as tensões entre EUA, Rússia e China, que muito lembram o cenário da guerra fria, e o recrudescimento do discurso retrógrado do conservadorismo (seja no Catar, no Irã ou em frente aos quartéis, no Brasil) criam a sensação de que estamos presos num ciclo de repetições ao invés de seguindo em frente.
Evidente que o acúmulo de saberes precede o progresso das civilizações humanas, incluindo conflitos, epidemias e atrocidades do ser humano contra si mesmo e contra o planeta.
A história da humanidade muitas vezes é reduzida à história das guerras, da exploração e da aniquilação de um povo sobre outros. Pouco mais de uma década depois do início da Primavera Árabe, as lutas contra o machismo estrutural e a intolerância religiosa seguem sendo duramente reprimidas em países da Ásia e da África. Apesar disso, as mulheres seguem firmes na busca pela democracia em seus países .
Ao invés de somar forças para superar os estragos das várias crises provocadas pela disseminação global do coronavírus nos últimos anos, EUA e China, as maiores potências econômicas do mundo, investiram muito mais em armas em 2022 do que em educação, saúde e cultura.
No Brasil, a censura, a intolerância, o negacionismo e o discurso de ódio toscamente disfarçados como liberdade de expressão, nos forçaram décadas para trás.
A violência aumentou dramaticamente, principalmente contra as pessoas mais pobres e grupos marginalizados. Além de políticas de extermínio com uso do aparato militar estatal, o desemprego, a fome e a pobreza foram carrascos do povo brasileiro.
Apesar do desmonte de áreas vitais para o funcionamento democrático do País, a luta de cientistas, professoras e professores, profissionais da saúde e tantas trabalhadoras e trabalhadores terceirizados, uberizados, precarizados e explorados manteve o Brasil funcionando.
Apesar dos flertes com o fascismo, as mentiras e atentados contra o processo eleitoral, a corrupção e os orçamentos secretos, a maioria da população brasileira votou e reafirmou seu compromisso com a democracia.
Apesar da negligência do governo e o ódio de “cidadãos de bem” e empresários da fé contra pessoas em situação de rua, povos originários e comunidades favelizadas, o engajamento popular trouxe força e organização a movimentos sociais que lutam por terra, reforma agrária, direitos humanos, igualdade de direitos e justiça social.
Sem dúvidas, 2023 será um ano com enormes desafios e, fatalmente, nem todos poderão ser superados tão cedo.
Apesar disso, ficou claro que as conquistas e avanços civilizatórios não são permanentes e precisam ser constantemente reafirmados; mais ainda, que temos potencial e capacidade para ir além e fazer não só um novo ano, mas cada instante e cada escolha uma oportunidade para subverter a lógica da perversidade, construindo caminhos coletivos de generosidade, cooperação e liberdade.