O ano de 2023 termina como mais um na história das tragédias socioambientais no planeta. O ano mais quente em 125 mil anos, de acordo com a estimativa de órgãos como o observatório europeu Copernicus.
As consequências do acirramento das mudanças climáticas foram vistas por todo canto. Secas extremas de um lado, tempestades intensas no outro. Litoral Norte de São Paulo, Rio Grande do Sul, Amazônia – o Brasil sentiu e continua sentindo muito o agravamento dos impactos das emissões de gases de efeito-estufa.
Por tudo isso, esperava-se mais da COP 28, mesmo que a Conferência do Clima tenha sido realizada em Dubai, grande produtor de petróleo, e que o evento tenha sido presidido pelo CEO de uma grande empresa de combustíveis fósseis. No final, o documento da COP 28 falou pela pela primeira vez em “transição para longe dos combustíveis fósseis”, e isso foi comemorado por muitos como o “início do fim” de uma era.
Menos, eu diria. As gigantes dos fósseis estão batendo recordes de lucros e mantendo seus investimentos. Os investimentos em renováveis como solar e eólicas estão também crescendo como nunca, mas é evidente que no ritmo atual não serão alcançadas as metas do Acordo de Paris de 2015, de crescimento da temperatura de no máximo 1,5 grau em relação ao período pré-industrial.
Então, só com uma mobilização cada vez mais forte da cidadania planetária para que haja realmente uma possibilidade de decisões mais firmes dos governantes e outros líderes.
Porque os governantes e outros líderes podem até ter consciência do que está ocorrendo e boas intenções em muitos discursos, mas eles também têm compromissos que entram em contradição com o que falam. O Brasil é um claro exemplo nesse sentido.
O país chegou à COP 28 como um pretenso líder global na transição energética. Tem grande parte de sua matriz energética já de energia limpa e intensifica investimentos em outras fontes.
Os biocombustíveis, em especial, são um trunfo para o Brasil. A redução do desmatamento na Amazônia é outra importante conquista do atual governo.
Entretanto, em plena Conferência, o governo brasileiro confirmou que pode aderir como observador à OPEP+, o clube dos grandes produtores de petróleo e, portanto, com boa parcela da culpa pelas mudanças climáticas. Além disso, logo que terminou a COP, o Brasil fez um megaleilão de áreas de exploração de petróleo.
E tem o drama sobre o interesse da Petrobras em explorar petróleo nas costas da Amazônia. Há quatro dias, a empresa iniciou a perfuração na área Pitu Oeste, litoral do Rio Grande do Norte. Longe da foz do Amazonas, mas na Margem Equatorial e sinal de que os planos da estatal continuam firmes. A controvérsia vai continuar.
Não nos esqueçamos, ainda, de decisões muito criticadas do Congresso Nacional (ou ao menos de uma de suas Casas). Como as aprovações do Marco Temporal e de um mercado de carbono muito confuso e favorável ao agronegócio.
Por outro lado, o Brasil também é um claro exemplo de como a fundamental agenda da emergência climática pode acabar por interferir na atenção para outras graves questões socioambientais. O caso da mina de sal-gema da Braskem em Maceió é notório nesse sentido.
Há décadas que a exploração irracional vem acontecendo, sob as barbas e bigodes de vários governos, municipais, estaduais e federais. Milhares já deixaram suas casas nas proximidades das minas. A chamada grande imprensa também atentou muito tarde para a gravidade da situação.
Enfim, continuemos atentos, um olho no global e outro no local. Uma lição às vezes esquecida no âmbito do próprio movimento ambientalista.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]