Orlando Constantino foi dar um jeito de arrumar as nuvens e os ventos. Ele sempre dava um jeito em coisas danadas, devo dizer.
Homem de poucas palavras e muito do fazer, não media tempo nem vontade para cumprir a sina de honrar o seu trabalho.
Pouco ou quase nada sei da sua vida. Mas muito tenho ciência do seu ofício de funcionário público da Prefeitura de Campinas, onde chegou por concurso – e não pelas mãos de algum figurão.
Escalão menor do funcionalismo, eu o conheci em 2001, logo após o assassinato do Prefeito Toninho, prestando serviço no início da ocupação da estação ferroviária pela Secretaria de Cultura de Campinas. Foi um período de trabalho árduo para cumprir a meta de transformar um local abandonado e infestado de cupins, ratos e desocupados drogados na Estação Cultura.
Orlando Constantino tinha menos de um metro e sessenta de altura e sobre seus ombros um escombro de velhos móveis da antiga estação ferroviária que foram recuperados e utilizados nas salas da nova estação cultural. Muitos deles guardados em exposição para o bem apreciar da população – e alguns que seguiram a enfeitar salas de secretários municipais.
Orlando Constantino nunca deixou de cumprir sua obrigação com o povo da cidade. Sempre estava atento para os menores detalhes da estação e não reclamava do seu ofício.
Vez ou outra eu o via conversando com o saudoso Mané Fala-Ó, ambos sentados em um dos bancos da estação, assim como dois amigos que aguardavam o próximo trem. Eu também me sentava naqueles finais de tarde, com o sol se dependurando no horizonte, ouvindo prosas de elegância, nada de palavras baratas, apenas conversa boa dos tempos antigos das litorinas, da Maria Fumaça apitando na chegada, dos viajantes, do aroma de café do barzinho do saguão, da lenha queimando na fornalha do trem.
Orlando Constantino foi mais uma lenha queimada na fornalha cultural da cidade. Mas todo artista que lá se apresentou sabia da sua existência. Ninguém que lá esteve para ver alguma exposição, um pequeno show no saguão, ou um grande evento na plataforma central desconhecia sua existência.
E ele estava lá, sempre preparado para resolver algum problema técnico. Do palco à plateia, aqui uma cadeira que fosse para algum idoso, ali um banquinho para o artista, ou uma estante de partitura que o produtor esqueceu de colocar. Orlando Constantino era um maestro em seu ofício de cuidar da vida de artistas que se apresentavam na sua casa. E do povo que lá chegava. Sim, a Estação Cultura também era a extensão de sua casa, que ele cuidava nos mínimos detalhes, sem reclamos, apenas atenção e trabalho, como a Natureza faz com as plantas, pássaros, ventos e chuvas.
Vezes, e foram muitas vezes, íamos tomar um café no barzinho da Estação. E assim ficávamos conversando sobre os velhos tempos dos trens que paravam por lá. Orlando Constantino, bem mais novo, ouvia as minhas memórias e dizia que sempre pensava em ir a São Paulo de trem.
E assim a gente se despedia e ele ia cuidar de alguma coisa que deixasse o lugar mais agradável a todos os sem litorinas, aos viajantes que lá iam conhecer uma estação sem trem de passageiros, sem maquinistas, trocadores, sem guichês de passagens, sem carregadores de mala e engraxates…
Orlando Constantino foi embora no Trem do Tempo. Não importa a sua idade; e tampouco o que fizeram – ou desfizeram – da Estação Cultura, hoje deteriorada e, o que é pior, capengando pela incompetência de secretários de cultura que passaram por alguns governos municipais.
Orlando Constantino era um senhor de si, do seu trabalho, da sua dedicação do bem cumprir o seu mister, e assim honrar o seu modesto salário.
Um velho trem apita em mim a saudade e a honra da amizade que a mim ele dedicou na Plataforma da Estação da Vida. Siga em paz, Orlando Constantino. Inté.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico