Lenda dos esportes de força, o campineiro Hugues Jorge completou 96 anos de vida no último mês de fevereiro. Campeão de sete modalidades ao longo da carreira, desde levantamento de peso até luta de braço, o atleta iniciou a vitoriosa trajetória como boxeador. “Eu tinha 16 anos quando comecei a treinar no Campo do Mogiana, onde também realizei a minha primeira luta oficial”, conta Hugues. A estreia aconteceu no dia 11 de agosto de 1945, na inauguração do ringue montado na quadra de esportes do complexo, situado no bairro Botafogo, em Campinas. “Hugues, o beduíno, uma promessa da nobre arte”, descreveu jornal da época.
À ocasião com 19 anos, Hugues Jorge lutou sob olhares encantados de um garoto de apenas nove anos chamado Éder Jofre, o mesmo que viria a se tornar tricampeão mundial de boxe e maior nome da modalidade no Brasil. O jovem estava acompanhado do pai, Kid Jofre, que era treinador da Seleção Paulista de Boxe, além do tio, Ralph Zumbano, então atual campeão paulista e brasileiro de boxe. Zumbano era a principal atração daquela noite, que contou com oito lutas, no total. “Lembro até hoje do meu pai, Tuffi Jorge, avisando que o Kid Jofre estava chegando com o filhinho dele”, recorda Hugues, dono de uma memória invejável.
Representando o departamento de pugilismo do Esporte Clube Mogiana, Hugues Jorge derrotou outro lutador da casa, em vitória que marcou o início de uma dominância impressionante na modalidade. “Lutei quase 30 vezes e nunca perdi. Rodei o interior paulista todo, de Jundiaí a Araraquara. Meu treinador no Mogiana, chamado Johnson, era um rapaz negro muito forte, mais pesado do que eu, mas em um dos treinos o levei a nocaute. Fiquei pronto para sair correndo, pensando que ele ia bater em mim quando se levantasse”, diverte-se relembrando, Hugues.
No entanto, a epopeia como pugilista não desfrutou de muita longevidade. O último combate oficial ocorreu em 1954, no estádio do Pacaembu, em São Paulo. Hugues Jorge elege o boxe como a sua modalidade preferida, dentre todas as que praticou. “Só não tive futuro porque o boxe não ia para frente em Campinas”, lamenta.
“A luta durou um minuto. Dois amigos meus chegaram um pouco atrasados e quando sentaram na cadeira para assistir, já tinha acabado”, brinca Hugues Jorge.
Dessa forma, Hugues Jorge passou a se dedicar com mais afinco a outros esportes em que também já vinha se destacando: halterofilismo, luta de braço e fisiculturismo. “Fui o primeiro campeão de fisiculturismo de Campinas, em 1950”, orgulha-se Hugues, que ainda se aventurou em modalidades como remo e atletismo. Ao todo, o aposentado ostenta cerca de 500 medalhas e 300 troféus. A coleção fica exposta em uma sala de sua residência, no bairro Vila Lemos, em Campinas.
Em 2016, a história vencedora ganhou as páginas do livro “Hugues Jorge – De Menino Travesso à Lenda Viva dos Esportes de Força”, escrito pelas irmãs Darci Palombo e Miriam Pascoal. No mesmo ano, Hugues Jorge deu nome ao Espaço de Ginástica e Musculação da Lagoa do Taquaral.
A “mãe” do halterofilismo
Esposa de Hugues Jorge desde 2003, mas juntos há mais de 50 anos, Maria Aparecida Colis Jorge, mais conhecida como Paquita Jorge, também possui um passado de glórias nos esportes de força. Entre os principais feitos, estão títulos mundiais de levantamento de peso (olímpico e básico) e luta de braço, esse último conquistado 15 vezes, com destaque para a edição de 2002, em Alexandria, no Egito, onde Hugues Jorge também faturou medalha de ouro, com quase 80 anos, na categoria Máster. “Eu só não pratiquei boxe e remo”, compara Paquita, em relação ao marido, sua inspiração.
Para obter tamanho sucesso, Paquita Jorge precisou vencer a desconfiança das pessoas e até mesmo de Hugues Jorge, que foi seu treinador em todas as modalidades que praticou. “Hugues me diz que superei todas as expectativas dele, pois não esperava que eu seria uma grande atleta. No começo, ele dizia que era esporte só para homens e não queria me deixar praticar, ficava bravo. Fui muito criticada e enfrentei um tabu enorme, mas me tornei a mãe do halterofilismo no Brasil, a primeira mulher a mexer com anilhas”, destaca Paquita. “Hoje em dia, o treinamento de qualquer esporte, seja masculino ou feminino, depende dos halteres”, aponta.
A história pioneira de Paquita Jorge iniciou-se em 1967, justamente no ano em que conheceu Hugues Jorge e se apaixonaram à primeira vista. “Ele foi comprar farinha de soja no supermercado Pão de Açúcar, que ficava na Rua Costa Aguiar, onde eu trabalhava como promotora de vendas. Começamos a namorar no dia 15 de janeiro de 1967. Eu tinha 19 para 20 anos e logo comecei a treinar no Regatas”, conta Paquita Jorge. “Antes, eu era soprano da igreja, em Valinhos, assim como o Hugues cantava ópera ópera, inclusive tinha uma voz maravilhosa, mas largou para lutar boxe”, relaciona Paquita, que completou 75 anos no último dia 19 de março, exatamente um mês depois do aniversário de 96 anos de Hugues Jorge, comemorado no dia 19 de fevereiro.