Em Verão de 85 (Èté 85, França, 2020, 90 min.), de François Ozon, o adolescente Alex (Félix Lefebvre) é obcecado pela morte e por cadáveres. No prólogo, o personagem olha para a câmera e diz: “Se você não gosta deste tema, este filme não é para você”. Poderia acrescentar: tampouco é, se não lhe interessa histórias gays.
A pergunta não se repete em Como Hackear seu Chefe (Brasil, Fabrício Bittar, 2021, 1h25 min.), mas caberia. Assim como no longa francês, o brasileiro quer dialogar com o público para o qual foi pensado, ou seja, se não lhe interessa o universo tecnológico dos computadores (acrescido de escatologia), este filme também não é para você.
O drama
Ozon tem currículo respeitável de duas dezenas de longas-metragens, alguns deles, incensados pela crítica. Como este Verão de 85, que esteve na seleção de Cannes no ano passado. E, de fato, é um bonito filme, cuja estética se sustenta na fotografia de Hichame Alaouie, mas também na pulsão do amor entre dois garotos (o outro é David, interpretado por Benjamin Voisin).
Veja o trailer de Verão de 85 https://www.youtube.com/watch?v=hG0EaaoVn4o
Não se esperaria do cineasta francês uma comédia romântica, mas ele repete abordagem gay no cinema que quase sempre esbarra na condição doentia dos personagens (caso de Alex e do próprio David) ou da tragédia. Claro que sem conflitos não há drama, mas temas escabrosos, como do interesse por morte/cadáveres presentes em Verão de 85, costumam ser regra nesse gênero de filme.
De qualquer maneira, Ozon filma com delicadeza as cenas das relações sexuais e, sem o romantismo de, por exemplo Verão de 42 (Robert Mulligan, 1971), consegue suscitar simpatia do primeiro amor de Alex, menino de 16 anos, em férias na Normandia. No longa de Mulligan, há a perda da inocência de adolescente no contato com mulher mais velha, separada do marido por causa da guerra. Em Ozon, a morte se interpõe entre os amantes.
A comédia
Como Hackear seu Chefe aposta todas as fichas na tecnologia e na forma. O espectador verá um computador aberto o tempo inteiro na tela de sites de busca, redes sociais, videoconferência, homework, hackers, celular, reuniões on-line, games etc. Quer dizer, toda a parafernália dos nossos tempos exacerbada pela pandemia e que explode em imagens ao mesmo tempo fragmentadas e conectadas entre si.
Veja o trailer de Como Hackear seu Chefe https://www.youtube.com/watch?v=qnG2vs6bysQ
Trata-se do excesso do excesso do excesso. Apaixonados pelo admirável mundo novo discordarão da análise porque, em geral, desconhecem a vida sem tecnologia. Mas, acreditem, existe. Ou existiu. A dramaturgia veio muito antes – tão antiga quanto o ser humano.
O filme se sustenta em termos dramatúrgicos na comédia de erros do empregado (Victor Lamoglia) que envia e-mail comprometedor para o chefe e, depois, ao tentar corrigi-lo, se enrola ainda mais. Mas a direção não precisava recorrer a 95% do tempo a essa imagem repetitiva (no que se vê e no som) na tela do computador. A boa dramaturgia não depende do meio, mas da própria consistência. E, se o mundo estará cada vez mais tecnológico, o conceito de contar histórias da dramaturgia nunca mudará.
No caso do filme, o que menos interessa é a história – fio dramatúrgico escrito pelo diretor e por Vinícius Perez que se arrasta sustentado por elenco fraco e uma direção que privilegia a poluição visual da imagem e do som em detrimento da encenação propriamente dita (a maior parte do tempo estática).
Os atores se divertem mais que os espectadores ao contar as peripécias de um rapaz encarregado de preparar projeto para a reunião do dia seguinte. Faz a brincadeira, envia equivocadamente para o chefe e vai arcar com as consequências.
Tudo é aceitável e tudo cabe na comédia, menos escatologia. Não no Brasil. Muitos produtores e diretores brasileiros insistem em usar escatologia (comédia de uma piada só) como recurso indispensável. Adolescentes adoram. Produtos como este filme existem para eles ou para aqueles que se encaixam nesse perfil.
João Nunes é jornalista e crítico de cinema
Verão de 85 estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 3/6/2021, em algumas cidades brasileiras, mas não chega, ainda, a Campinas
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