Muito triste a morte de Nathalia Guzzardi Marques e Mateus Correia Viana, em 22 de junho último, no Rio, vítimas de um acidente doméstico, em decorrência de problemas no aquecedor a gás do banheiro do apartamento do rapaz, no Leblon. Os dois tinham a mesma idade: 30 anos. Tragédia idêntica aconteceu em outubro de 1989, em São Paulo, no bairro Perdizes, quando o campineiro Antonio Eder Mundt Leme, jogador de basquete e modelo, perdeu a vida ao lado de Leni Lúcia Bolognesi. Ele tinha 32 anos, e ela 25.
No início da década de 80, Eder foi casado com Vera Mossa, jogadora da Seleção Brasileira de Vôlei. Os dois tiveram um filho, Eder Sebastião Guimarães Lemes Neto, o Edinho, que hoje tem 39 anos e atua como designer gráfico.
Eder e Vera ficaram juntos até 1984. O segundo casamento dela foi com o técnico Bernardo Rocha de Rezende, mais conhecido como Bernardinho, e os dois tiveram um filho: Bruno, o Bruninho, fera no vôlei como a mãe foi na juventude. Ela tem ainda uma filha chamada Luiza, fruto do terceiro casamento.
Eu me lembro de ter entrevistado Eder pouco tempo antes da tragédia que interrompeu sua vida no auge da juventude.
Na quadra do Tênis Clube de Campinas, perguntei qual era o seu lugar preferido no mundo, mas não me recordo direito qual foi sua resposta. Só sei que, minutos depois, ele correu atrás do carro da reportagem, bateu no vidro e disse: “Meu lugar preferido é perto da cesta”. Montanha ou mar, fosse lá o que tivesse dito anteriormente, nada se comparava ao amor que tinha pelo basquete. Campinas tem uma rua com o nome do atleta, no Parque Alto Taquaral.
Ainda pensando em Eder, procurei saber quem eram Nathalia Guzzardi Marques e Mateus Correia Viana, os jovens que morreram no Rio.
Eram bonitos, cheios de sonhos e planos, ela psicóloga, mãe de um garoto de oito anos de um relacionamento anterior. Mateus Correia era formado em Direito e estudava para concurso de Delegado. Enquanto o sonho da carreira policial não se concretizava, ele trabalhava na Fazenda Correia, no interior do estado, onde criava tilápia e produzia alimentos orgânicos. Nascido e criado na Tijuca, na Zona Norte do Rio, o jovem havia se mudado para a Zona Sul há quase três anos.
As publicações em seu perfil no Instagram mostram que Mateus tinha uma vida social agitada. Era músico e estava sempre rodeado de amigos. Também amava animais e a natureza. Em uma foto, aparece junto a um tanque-rede de tilápia, com a legenda: “Orgulho do que me tornei. Grato pelo que tenho. Grato pelo que terei”.
Os sonhos dos dois foram interrompidos de um dia para o outro.
Uma amiga da jovem contou que ela e Mateus se conheceram há uns seis meses. Ainda não se consideravam namorados, mas estavam se conhecendo e tinham muito em comum. Mesmo com a pandemia, os dois tentavam levar uma vida normal, claro que com todos os cuidados necessários para manter o vírus bem longe, mas nem imaginavam que havia um perigo bem próximo deles naquela noite: o vazamento de gás no banheiro do apartamento de Mateus.
Psicóloga e mãe amorosa, Nathalia trabalhava em um espaço clínico e terapêutico na zona oeste do Rio. Da mesma forma que Mateus, adorava a natureza. No Facebook, os olhos lindos da psicóloga e seus traços perfeitos exibiam uma fisionomia cheia de vida e beleza. Era fervorosa e costumava postar orações do Pai Nosso e do Anjo da guarda.
Os corpos dos dois jovens foram sepultados no último dia 24, em cemitérios separados, duas famílias e grupos de amigos muito abalados com as perdas precoces.
Lembro muito de quando Eder morreu, na década de 80. Ele também era cheio de vida, parecia que tinha pressa. Era prestativo, dava aulas até fora do horário, trabalhava como voluntário de educação física na instituição de Padre Haroldo Rahm, ensinava basquete para os jovens nos clubes e vivia tudo por inteiro. Pai dedicado, quando tinha tempo disponível, era com o filho que ficava.
Edinho, o filho de Antonio Eder, trabalha com o tio, o arquiteto José Adriano Mundt Leme. Converso com José Adriano por e-mail e ele conta que Edinho é seu braço direito, companheiro e amigo em todas as situações. “Tornou-se um homem equilibrado e ponderado, como o pai. Percebo que gosta de colaborar e cuidar de todos da família, muito próximo dos avós maternos, da sua companheira Alessandra, da mãe e irmãos, sempre que sua presença possa acrescentar ou servir para ajudar alguém, ali está”, elogia.
José Adriano lembra que a saudade do Eder é sempre presente, “não passo um dia sem lembrar dele, a sua falta afetou todos nós por sua presença marcante, pelo amor que ele tinha por tudo e por todos, extensivo aos seus amigos e todos aqueles com quem convivia”. Ele vivia tudo com muita intensidade, “penso que esta seja uma característica comum entre aqueles que partem cedo deste mundo”.
Ele não conheceu pessoalmente Leni Lúcia Bolognesi, a modelo que também foi vítima da tragédia ao lado do irmão. “Sei que era do Paraná e que morava há pouco tempo em São Paulo, uma pessoa do bem, muito bonita.
Acredito que a mudança recente para aquele apartamento, e o desconhecimento das más condições na instalação do gás, foram situações que causaram a tragédia”, lembra.
José Adriano também anda de mãos dadas com a natureza. Arquiteto e urbanista de profissão, pós-graduado em Gestão Ambiental, é gestor da Selva Viva Acre, e no momento dedica parte de seu tempo para que a mesma se transforme em Ong ou Fundação Independente, estruturada para ser efetiva na preservação da floresta, conciliando a sustentabilidade e o meio ambiente através da inclusão da população local no projeto, subsídios e meios adquiridos diretamente dos seus associados e colaboradores. A pandemia atrasou seus deslocamentos ao Acre, bem como os contatos pessoais que precisa fazer aqui e no exterior para alavancar uma nova fase do projeto, mas segue em frente com seus planos.
Para muitos, Deus é natureza, e se isso é verdade, tomara que ela se manifeste em outras dimensões, com matas, águas, respeito, amor e abundância para acolher criaturas que partem desse mundo na flor da idade, como aconteceu com os jovens citados nesse texto. E que o filho de Nathalia, lá no Rio de Janeiro, possa contar com o apoio e afeto de pessoas parecidas como as que Edinho, o filho de Eder, encontrou em Campinas. Assim seja!
Janete Trevisani é jornalista – [email protected]