Quem diria que, em 1981, conversas diárias entre seis meninas adolescentes do Jardim São Marcos, na periferia de Campinas, e Jane Chiang Sieh, chinesa radicada no Brasil desde 1965, dariam vida ao Grupo Primavera, uma entidade que se tornou referência mundial por seus programas de educação complementar, cultural e profissional para crianças e jovens da região dos Amarais, na qual está inserida.
O primeiro contato de Jane com o Jardim São Marcos começou quando ela e o marido, John Sieh (que também se envolveu com a causa), resolveram fazer uma doação de material para a construção de uma creche no bairro, na época considerado o segundo mais violento do interior de São Paulo.
Após a inauguração da creche, Jane se ofereceu para ajudar no local e teve a ideia de fazer um trabalho complementar com as mães da comunidade. Muitas dessas mães traziam também as filhas adolescentes e Jane e outras voluntárias resolveram então criar um projeto específico para acolher essas jovens. No começo, o encontro com essas meninas ocorria no quintal da creche, sob a sombra de uma árvore. Aos poucos ela e outras voluntárias foram descobrindo que precisavam fazer mais por essas jovens, que não podiam se alimentar direito, desistiam cedo da escola e muitas vezes acabavam engravidando na adolescência.
Foi então que resolveram criar o Grupo Primavera para atender e transformar a realidade delas e de outras adolescentes.
Bonecas que fizeram ensinaram meninas a voar mais longe
Em 1998, Jane foi convidada por um empresário americano para conhecer o projeto de uma empresa de bonecas feitas de meias. Na visita, Jane se emocionou ao chegar à porta da fábrica Little Souls, ou ‘Pequenas Almas’, e se deparar com a seguinte frase: “Nós somos todos sonhadores e artistas do possível”. Para ela, essa frase fez todo sentido ao pensar no trabalho que estava desenvolvendo com as meninas do Grupo Primavera, pois queria que todas tivessem a oportunidade de sonhar e condições para melhorar de vida.
No ano seguinte, Kate Wilson, proprietária da empresa de bonecas e uma idealista em busca da dignidade humana, veio ao Brasil para ensinar a técnica e segredos de como fazer as bonecas de meias à equipe do Grupo Primavera. Lição bem aprendida por mães e meninas da entidade, as bonecas tornaram-se um símbolo forte, sendo consideradas as mascotes do Grupo Primavera até hoje.
O trabalho desenvolvido pela instituição começou a ganhar voz no mundo e grandes empresas foram se tornando parceiras no propósito da entidade de transformar a realidade de crianças, jovens e famílias por meio da educação.
Foi a partir da visita de Kate Wilson ao Brasil que Josiane Brito, hoje com 45 anos e frequentadora do Grupo Primavera desde os 10, teve a oportunidade de fazer a sua primeira viagem internacional, ainda na juventude.
Moradora do bairro São Marcos, Josi, como é conhecida por todos, aprendeu artesanato, bordados e costura e, no Grupo Primavera, sempre foi incentivada a continuar estudando. As aulas de reforço escolar fizeram com que ela entrasse na Etecap, uma conceituada escola técnica.
Josi ficou só um ano longe do Grupo Primavera, trabalhando na área química, mas acabou tendo a oportunidade de voltar como funcionária.
Hoje, passados 35 anos dentro da entidade, ela se tornou gerente de produtos e viu com grande alegria o curso de preparação de jovens para o vestibulinho nascer, pois sabe o quanto isso foi importante para sua formação.
“Para uma adolescente que mal tinha saído do bairro, poder continuar estudando em um colégio técnico abriu meus horizontes. Foi também no Grupo Primavera que tive a oportunidade de entrar em um avião pela primeira vez, viajar para outro país, aprender e trazer a técnica de como fazer as bonecas e descobrir que o ofício que queria para minha vida era trabalhar fazendo as bonecas e outras coisas ligadas aos trabalhos manuais”, lembra Josiane.
Ampliando horizontes para todos
O Grupo Primavera começou ensinando artesanato, pintura e bordados, além de trabalhar valores e autoestima de suas participantes. Aos poucos foi introduzindo reforço escolar e outras atividades que ajudariam tanto meninos como meninas a entrar no mundo do trabalho.
Atualmente o Grupo atende cerca de 500 crianças, adolescentes e jovens com idades que variam de 6 a 18 anos no contraturno escolar, oferecendo cursos e oficinas que trabalham diferentes áreas como corporal, artística, escrita, jogos pedagógicos, informática, reforço escolar, preparação de jovens para vestibulinho e áreas ligadas ao meio ambiente e ciências naturais.
Na pandemia a instituição segue firme, mesmo que de forma remota, contribuindo com a educação e construção de um mundo melhor para crianças, adolescentes e moradores da região do São Marcos, Santa Mônica e Jardim Campineiro. E de uma coisa eles tem certeza: a educação transforma!
Kátia Camargo é jornalista e na conversa com o pessoal do Grupo Primavera sentiu a força e o impacto que a educação, o respeito ao próximo, a vida em comunidade pode causar no outro