Chama a atenção o fato de ser identificado como comédia o filme do francês Albert Dupontel, “Adeus, Idiotas” (Adieu Les Cons, França, 2020, 87 min.).
Sim, há muitos elementos apropriados para provocar o riso, mas ele, também, traz ironia (a começar do título), inventividade na construção do roteiro do próprio diretor e, até momentos de pura poesia imagética.
Se analisado pelo todo, o roteiro e a direção de Dupontel apontam decisivamente para a criatividade.
Observe a riqueza das abordagens incomuns a temas batidos, como o da mãe, a cabeleireira Suze Trappet (Virginie Efira), que procura o filho que lhe foi tirado quando ele nasceu e, agora, aos 43 anos, recebe grave diagnóstico médico.
Ou do competente veterano profissional de empresa de tecnologia, JB (interpretado pelo diretor) que está sendo substituído por jovem.
Também atraente é a opção do diretor/roteirista em criar para esses personagens situações bizarras e desfechos pouco convencionais que transitam pela chamada comédia de erros.
Alguns deles, como a preciosa (para a história) descoberta, nascida de uma trapalhada, que o casal protagonista realiza na clínica do médico que fez o parto de Suze, – idêntica relação se estabelece na cena em que JB toma uma decisão trágica.
Não bastasse, o roteiro brinca sem pudores com a deficiência visual do personagem M. Blin (Nicholas Marié) e trata sem grandes dramas o Alzheimer do médico Dr. Lint (Jackie Berroyer), pivô no esclarecimento da história da mãe.
São abordagens de comédia – isto está claro. Mas Dupontel está menos propenso ao riso e mais interessado em explorar as controvertidas possibilidades da história que criou e abusar do insólito.
Por exemplo, quando JB decide dar resposta à empresa e cria enorme confusão – a tal decisão trágica. Dá para rir? Sim.
Mas, também, é possível evidenciar os medos humanos ou a irônica desfaçatez empresarial de, por exemplo, preencher a vaga de deficientes alocando alguém afetado na visão – no caso, M. Blin – para o arquivo morto às escuras, pois ninguém usa aquele departamento e, com isso, economiza energia.
E, apesar de evitar clichês melosos da mãe em busca do filho –Adrien (Bastien Ughetto) –, o roteiro cria belíssimo momento de aproximação deles por meio da tecnologia. E de Adrien com Clara (Marilou Aussilloux), a garota por quem ele se apaixona.
Poética como imagem, criativa pela maneira como foi concebida e bonita pelos significados que contém, a sequência lembra as artimanhas dos seres da floresta “manipulando” as ações dos humanos, em “Sonho de uma Noite de Verão”, de Shakespeare. Lá havia as artesanais poções mágicas; aqui, os tecnológicos controles remotos e computadores.
Para concretizar estas propostas, o filme conta com a excelente intervenção do editor Christophe Pinel. Ele acelera as sequências quando necessário (a citada cena de JB, por exemplo) e detém a edição quando a história pede sensibilidade, singeleza – caso da contemplação de Suze, à distância, do filho ou quando ela banca um ser da floresta tentando resolver determinada situação na qual ele está envolvido.
Completa esse elenco de elogios a música de Christophe Julien. Linda a trilha que acompanha os dois protagonistas, pessoas fragilizadas usando meios próprios para resolver os respectivos dramas, e que, ao contrário da comédia, é tensa, melodiosa e, às vezes, triste.
O principal atributo de “Adeus, Idiotas” é, portanto, sua capacidade de dialogar com os vários gêneros e tirar deles o melhor a fim de realizar mistura que poderia não dar certo, mas funciona.
Não surpreende que tenha ganhado sete César, o Oscar francês, incluindo o de melhor filme, e visto por dois milhões de espectadores na França, em plena pandemia.
*O filme “Adeus, Idiotas” estreia dia 23 de março nas seguintes plataformas: Claro Now, ITunes Apple TV, Google Play/YouTube e Vivo Play