Alguns dias atrás minha tia e madrinha, Lúcia, me enviou uma foto pelo WhatsApp, de uma máquina de escrever que era do meu tio Humberto, morto em 1990. Ele era jornalista e me inspirou a querer seguir seus passos no jornalismo, que, aliás, foram bem curtos por aqui. Ele morreu antes de completar 50 anos, por conta de complicações de um transplante de rim. Minha madrinha, apesar dos desafios impostos pela vida, sempre ensinou o poder curativo da alegria, e me perguntou na mensagem se eu gostaria de ficar com a máquina de datilografia do Humberto.
Ainda não fui buscar a máquina, mas, para mim, esse presente da minha tia e de suas filhas é uma convocação para ser guardiã de um tesouro precioso, pois a máquina de datilografia diz muito sobre quem foi o meu tio.
Das boas memórias da infância, lembro de passar as férias na casa deles, em Piracicaba, do chá da meia noite (que ocorria por volta das 22h) que ela fazia para os primos e primas. Adorava ficar horas no quartinho datilografando e ‘brincando’ de ser jornalista, criava histórias, diálogos e desfechos mirabolantes. O espaço era repleto de livros e lá moravam também os textos, poemas, poesias e sonhos que meu tio cultivava.
Também adorava ouvir suas histórias de repórter, dos personagens visíveis e invisíveis que cruzavam o seu caminho. Meu tio sempre teve um olhar apurado para os invisíveis, e sempre estava atento ao que podia fazer pelo outro. Não me esqueço também dos relatos e desafios de um jornalista que vivia em meio à ditadura militar. Foi com ele que aprendi a gostar de assistir ao noticiário na TV e a ler o jornal.
Já tenho um espaço reservado para a máquina de escrever, mas esse presente me fez olhar para outros objetos que habitam a minha casa e me ajudam a construir quem eu sou.
Percebi algumas coisas que tenho em casa que são repletas de histórias e memórias, como a balança que meu pai usava para pesar os legumes e frutas em seu ofício de verdureiro. Tenho também um pé de máquina de costura antigo transformado em uma ‘mesinha’. Olhar para ele me remete à minha mãe costurando.
Além de objetos, as plantas que tenho em casa também carregam muitas histórias, tem a orquídea que atravessou o muro e saiu para a calçada da casa da minha mãe, no dia em que ela foi enterrada. Essa flor veio morar em casa e floresce todos os anos perto do dia da partida dela, me fazendo sempre lembrar que o amor que a gente sente pelo outro não morre nunca.
Tenho também um pé de jabuticaba que é um símbolo forte das raízes da família materna e paterna. Visitar parentes em época de colheita de jabuticaba era sempre uma alegria, sem contar que minha mãe e tios nasceram em Casa Branca, capital estadual da jabuticaba.
E você, tem objetos, plantas que conectam você com suas histórias, seus amores? Se tiver, manda pra gente no e-mail: [email protected],br
Kátia Camargo é jornalista e hoje traz um trecho da poesia que seu tio Humberto Pitoli datilografou em sua máquina de escrever quando sabia que o seu coração já não estava mais dando conta de ficar por aqui:
“Mas um dia Senhor
Reconstruíremos com todos os detalhes
Este meu pobre coração.
Reunireis sob os vossos braços
Todos os meus amores,
Portadores dos pedaços do meu coração.
Vos farei com eles um coração novo e forte
E, numa festa fantástica, o colocareis em mim
E não me importarei se no auge do nobre encontro
Ele, meu coração novo, explodir de alegria”
Esta coluna foi embalada por memórias musicais também, Ana Cañas lançou um projeto lindo homenageando Belchior. Vale a pena escutar cada uma das canções desse álbum: