Antes de “Jurassic Park – Parque dos Dinossauros” (1993), as imagens que tínhamos desses fenomenais seres estavam restritas a formais reconstituições, próprias para estudos, trancadas em centros de pesquisas ou em museus. A partir da obra de Michael Crichton, Steven Spielberg materializou essas imagens e as tornou mágicas.
Depois de cerca de 15 minutos de projeção, o espectador contempla extasiado a materialização de herbívoros, que viveram 65 milhões de anos atrás, ressurgidos como por milagres e pastando solenes em remota ilha. Ninguém que viu a cena na época esquece o espanto ante os efeitos especiais que davam vida de modo espetacular aos extintos bichos.
Voltar ao início da série com “Jurrasic World – Domínio” (Jurassic World Dominion, EUA, ficção-científica, 2022, 2h26), de Colin Trevorrow, 29 anos depois, não foi boa ideia – e olhe que tem Spielberg como produtor executivo.
Quer dizer, para os realizadores e para a Universal Studios, parece que valeu – pois ele está estourando nas bilheterias. Para o cinema, trata-se de arremedo do seu exemplar primeiro, sem charme, confuso e despropositado.
A ingenuidade de atestar a pequenez do ser humano frente a esses belos bichos e de emprestar ao filme algum ensino edificante (ecológico ou transcendental) transformam “Jurrasic World – Domínio” em bobagem ainda maior.
Se é elogiável o retorno às raízes de Tom Cruise, em “Top Gun – Maverick, no qual ele tenta tirar lições de vida, em “Domínio” não se salva quase nada. Ou melhor, salva se, em vez de fazer parecer película séria, os realizadores assumirem que se trata de comédia.
Eles podem não assumir, mas o filme virou comédia e, sob esse ponto de vista dá para discorrer um pouco sobre – como forma de valorizar o trabalho do estúdio e dos profissionais envolvidos e porque não há demérito em produzir algo que faça o público rir.
Porque quase tudo é risível no filme.
A começar do vilão Lewis Dodgson (Campbell Scott) incapaz de convencer o espectador sobre as maldades dele. Ou da dupla de paleontólogos Alan Grant (Sam Neil) e Ellie Sattler (Laura Dern) – ele, alquebrado pela idade e inadequado para enfrentar o mais dócil filhote recém-nascido de um tiranossauro; ela, sem qualquer inspiração, atuando como quem cumpre tabela (e ganha uns dólares).
Sem contar a presença abobalhada do matemático Ian Malcolm (Jeff Goldblum) e sem computar a ausência do garoto chatinho, Tim (Joseph Mazzelo), do primeiro filme, para animar um pouco a festa.
Bem que o roteiro destrambelhado do próprio diretor e de Emily Carmichael promove o encontro da dupla de protagonistas do primeiro com a outra (de “Jurassic World”, 2015, também de Colin Trevorrow), o casal Owen Grady (Chris Pratt) e Claire (Bryce Dallas Howard).
E agrega a garota Maisie Lockwood (Isabella Sermon), fruto de experimento científico. Entretanto, ela está mais interessada em cuidar de Beta, filhote bonzinho de dinossauro, como se ele fosse um poodle.
A música de Michael Giacchino procura impor grandiosidade que o filme não tem e as evocações ao primeiro são tantas que o interesse pela história vai minguando aos poucos.
Por isso, a saída é ver “Jurrasic World – Domínio” não como filme de ficção-científica, mas como comédia de ficção científica.
Tente salvar a sessão rindo da falta de rumo do longa (longo por demais) e de um diretor inábil para colocar fim à história – ele perde umas cinco oportunidades para fazê-lo.
E inapto para definir o gênero. Uma hora critica a voracidade dos humanos por só pensar no dinheiro; noutra, embarca na ação, com pancadarias por todos os lados – e dinossauros que surgem de todos os cantos do mundo. Sem fantasia e, portanto, sem poesia.
Da repetição e do lugar comum surge o humor. Vegetariano, um dinossauro mata de modo cruel um cervo, não para saciar a fome, mas para lhe roubar a pastagem. Um amigo aproveitou para zombar: “esnobou a carne do cervo para comer grama”.
A idade pesou para Alan Grant e, mesmo fugindo desajeitado, volta para pegar o chapéu que está quase na boca de um dinossauro. Claro, o chapéu é mais importante que a vida. Mas, se rir é bom, nada mal: “Jurrasic World – Domínio” perdeu a magia e ofereceu o riso.
O filme está em cartaz nos cinemas
João Nunes é jornalista e crítico de cinema