No cinema, realizadores enfrentam, sistematicamente, um dilema de complexa equação: como alcançar o grande público com filmes de qualidade? Eles não podem ser herméticos; porém, precisam de um mínimo de profundidade.
“O Próximo Passo” (En corps, drama, 2022, 117min., 12 anos), de Cédric Klapisch, atração do Festival Varilux de Cinema Francês, é uma amostra de como solucionar o dilema: passou no teste de público ao alcançar o terceiro lugar na história da cinematografia francesa em número de ingressos vendidos na primeira semana de exibição e, na tela, superou, com méritos, o da qualidade.
Escrito pelo próprio diretor (com Santiago Amigorena), o filme passa longe do óbvio, é acessível e mantem finíssima qualidade, que começa pelo modo de abordar o episódio do acidente definidor da mudança dos planos da protagonista. Histórias similares costumam tangenciar o piegas (quando não passam do ponto) na tentativa de ensinar algo sobre a vida.
A surpresa vem logo na abertura – quase escorrega, mas não teme ser ousada e criativa. Basta nos perguntarmos qual foi a última abertura de filme que nos chamou a atenção?
E não só pela expressiva arte gráfica, mas pela música e, ao longo do filme, pela coreografia do israelense Hofesh Shechter (que se dá ao luxo de interpretar ele próprio). O espetáculo de dança contemporânea do final arrebata o espectador por causa da exuberante e vigorosa coreografia e da música de Shechter.
Natural que o personagem Henri (Denis Podalydès), pai da protagonista, Élise (Marion Barbeau), tenha reagido como reagiu no momento mais bonito do filme, quando a dança pulsante ao som de música epifânica busca (e alcança) a catarse. Há quem critique tal busca; porém, se a emoção corre o risco de passar do ponto, também pode (quando genuína) fascinar.
Élise vê o namorado, na coxia, trocando afagos com outra garota, enquanto se preparava para entrar em cena de apresentação de balé clássico. No palco, perturbada, ela se desconcentra, cai, se machuca e ouve a médica dizer que não mais poderá dançar.
A sentença muda o rumo da vida dela. Com esse mote, o roteiro poderia ser mergulho impiedoso nas dores da menina com o desmoronamento da sonhada carreira em evolução.
Ou vitimizá-la por culpa do namorado infiel. Ou ser vale de lágrimas de onde ela renasce e, feito edificante fênix, está pronta para ensinar sobre o poder do pensamento positivo e da força de superação.
É possível encontrar pitadas destas e de outras características similares na história de Élise, mas ela, jamais, se coloca como vítima. Nem solicita piedade alheia. Nem fica a chorar pelos cantos. Tampouco abandona a vida.
Ela tem alguns acertos a fazer e vai em busca do que lhe resta. Ouvirá preciosos conselhos (sobre o pai, por exemplo) de Josiane (Muriel Robin) mulher sábia e dura nas palavras, conhecerá novo rapaz, Mehdi (Mehdi Baki), bailarino de hip hop; terá contato com novo coreógrafo e descobrirá a dança contemporânea.
A diferença deste para filmes piegas está na atitude, no manuseio desse tatear pela vida em busca de respostas, caminhos, horizontes. O contato com a dança contemporânea será a porta de um desses caminhos e lhe proporcionará amizades e bons momentos.
Como aquele passado na praia. Movimentos dos corpos, vento, pôr-do-sol, barulho do mar, maresia, combinação de cores e música formam cenário perfeito para suscitar nela (e no espectador) a sensação de libertação. E serve para evidenciar a bela cinematografia de Alexis Kavyrchine.
Experimentar o contemporâneo em contraposição ao clássico lhe traz outros elementos. Esse gênero de dança explora o chão, maior contato com o próprio corpo e com o do outro, gera aproximações, desperta sentimentos.
Nada disso escapa a Élise. São reconstruções dela nascidas de buscas interiores antes de se tornarem externas e lhe transformar.
Marion Barbeau, a Élise, passa distante do símbolo de mulher exuberante. Pelo contrário, parece gente comum. Entretanto, possui carisma, simpatia e encanto. E há sinceridade no que faz, até por ser bailarina, profissional. A mistura da atriz e da personagem acaba sendo o retrato do filme: bonito, emocionante, acessível, cativante. E profundo. Um achado que realizadores do cinema buscam incessantemente.
“O Próximo Passo” está na programação do Festival Varilux de Cinema Francês. Em Campinas, ele será exibido no Cinépolis do Galleria Shopping neste sábado, 25/6, às 18h e 20h30. Consulte o site do festival:
https://variluxcinefrances.com/2022/cidade/campinas-sp/