Vejam como o tema da Inteligência Artificial (IA) cresceu e se tornou absolutamente prioritário para nossa discussão, reflexão, prática e crítica construtiva desta ferramenta. Em novembro de 2023 a revista científica “New England Journal of Medicine – NEJM”, uma das mais prestigiosas e tradicionais revistas médicas do mundo, apresentou sua nova revista denominada NEJM AI (1), ligada diretamente ao tema e trazendo o seu nome.
O Editorialista escreve:
“Apresentamos um novo periódico do Grupo NEJM: NEJM AI, uma plataforma destinada a informar os leitores e orientar o desenvolvimento responsável da inteligência artificial (IA) para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde. Este editorial reflete sobre os marcos históricos e as capacidades atuais da IA, especialmente os grandes modelos de linguagem, e a necessidade de sua avaliação clínica rigorosa.
Discute a necessidade crucial de a IA na medicina ser submetida ao mesmo nível de escrutínio que qualquer intervenção clínica, predominantemente através de ensaios clínicos randomizados, apesar dos desafios colocados pela complexidade da tecnologia.
Olhando para o futuro, NEJM AI compromete-se a promover um discurso multidisciplinar e o desenvolvimento de uma abordagem transparente e centrada no paciente para a IA nos cuidados de saúde, com ênfase em a importância crítica de conjuntos de dados diversos e acessíveis”
O editorial conclui prevendo um futuro onde NEJM AI não apenas informa, mas molda ativamente a integração ética da IA em um sistema de saúde que respeita a autonomia do paciente e defende os mais altos padrões de atendimento:
“Bem-vindo a uma jornada colaborativa no lançamento do NEJM AI. Quer você seja um leitor ou um autor, esperamos que compartilhe nosso objetivo principal: aumentar as capacidades dos médicos, dos pacientes e de sua comunidade em geral usando o mais recente participante do nosso ecossistema – a IA – para fornecer cuidados de saúde seguros e eficazes ao mais alto nível dos nossos padrões coletivos. Abordamos esse objetivo com otimismo, mas temos uma consciência constante de que o uso indevido ou a implementação descuidada dessas tecnologias precipitará danos sistêmicos a todas as partes do sistema de saúde, principalmente aos pacientes”.
O destaque dado à IA tem se intensificado desde seu avanço no reconhecimento de imagens em 2012, alcançando um desempenho que rivaliza com a capacidade humana em diversas disciplinas médicas. Em 2020, conforme revelado por uma consulta no PubMed, as avaliações clínicas da IA e da aprendizagem automática tinham-se transformado de meros tópicos num campo em franca expansão. Só nesse ano, teve mais de 300 artigos avaliando estas tecnologias.
É claro que a aspiração de fornecer IA aos médicos, seja por segurança ou para superar as nossas limitações cognitivas, não é nova e remonta pelo menos à década de 1950. Setenta anos depois, o desenvolvimento de grandes conjuntos de dados on-line, incluindo textos médicos e registros de saúde, podemos prever grandes avanços.
Ensaios clínicos randomizados dentro da IA não serão fáceis. Necessariamente, garantir que os programas de IA pluripotentes sejam de “grau clínico” e seguros exigirá uma abordagem multifacetada e colaborativa entre médicos, grupos de defesa de pacientes e uma infinidade de partes interessadas. A transparência será a principal ferramenta necessária para conquistar a confiança da comunidade científica, médica e da comunidade. A avaliação é apenas uma dimensão do futuro da IA nos cuidados de saúde.
As questões mais importantes são: quem conduzirá este conjunto de inovações e em qual direção? Então, quem a NEJM AI imagina contribuindo para os seus futuros fascículos? Médicos? Pesquisadores de IA? Aos olhos do editor, os artigos mais impactantes deverão surgir principalmente das equipes multidisciplinares, refletindo a vibração na intersecção da ciência da computação, da dinâmica médico-paciente e da pesquisa biomédica.
Embora o advento da IA na medicina seja importante, temos que ser cautelosos pois estamos apenas no começo.
Importante saber que há um grande entusiasmo neste assunto a ponto da revista NEJM criar um novo jornal científico exclusivo para tratar do tema com o seu próprio nome. Isto não é pouco e chama muito a nossa atenção. Procurei reproduzir neste texto boa parte do que está contido no editorial de instalação da nova revista NEJM AI.
Muito se falará e muito ainda devemos aprender para que esteja dentro dos melhores princípios da ciência e da ética e, certamente, sempre em benefício dos pacientes, dos profissionais de saúde e da sociedade.
(1) – Isaac S. Kohane, M.D., Ph.D., 11 de dezembro de 2023, NEJM AI 2023;1(1), DOI: 10.1056/AIe2300197
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan e Diretor Científico da Associação Brasileira de hematologia e Hemoterapia.