Na última segunda-feira, 22 de abril, foi lembrado mais um Dia da Terra. A data passou a ser celebrada desde 22 de abril de 1970, quando cidadãos de todo o país, ambientalistas e milhares de estudantes norte-americanos de universidades e escolas primárias promoveram manifestações simultâneas, advertindo para os rumos do planeta que, naquela época, já pareciam críticos.
Os alertas se multiplicaram desde a publicação em 1962, por Rachel Carson, de “Primavera silenciosa”, um clássico da literatura ambiental. No livro, Carson comentava fatos como os impactos do DDT no meio ambiente, provocando o desaparecimento de várias espécies de pássaros, sem os quais a natureza e as cidades estavam ficando assim, silenciosas.
Vários desastres ambientais depois e preocupação crescente entre cientistas, ambientalistas e mesmo empresários, como os do Clube de Roma, alimentaram um movimento que resultou no primeiro Dia da Terra, de 1970, e a pioneira Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em junho de 1972.
De lá para cá o Dia da Terra se espalhou pelo mundo e os riscos para o planeta, derivados das ações humanas, ficaram cada vez mais evidentes. Em 1992, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, maior e principal evento ambiental da história, demarcou o terreno e identificou as duas grandes principais crises contemporâneas, a emergência climática e a rápida erosão da biodiversidade, temas, respectivamente, das Convenções das Mudanças Climáticas e da Diversidade Biológica.
Pela ação de grupos indígenas, o Dia da Terra se transformou no Dia da Mãe Terra, uma reverência à origem comum de todos. E a data adquiriu maior relevância, à medida que a crise climática se tornou uma das preocupações prioritárias de governos, empresas, ambientalistas e cidadania em geral.
No Dia da Mãe Terra de 2024, novamente as atenções foram voltadas para a emergência climática, diante das evidências cada vez mais consistentes de multiplicação de eventos climáticos extremos, resultantes da queima lancinante de combustíveis fósseis no cenário da sociedade industrial e do Antropoceno, como tem sido batizada a era geológica atual.
Poucos dias antes de 22 de abril, a revista Nature, a mais respeitada de seu gênero, publicou um documento com números tenebrosos. O estudo mostrou que até 2049, mesmo que o mundo consiga zerar as emissões de gases de efeito-estufa (GEE), as perdas anuais com as mudanças climáticas serão de US$ 38 trilhões, o que representa a diminuição de 19% do PIB planetário.
Trata-se de um valor equivalente a 20 vezes o PIB brasileiro. O estudo mostrou, aliás, em relação ao Brasil, perdas igualmente significativas, afetando sobretudo as regiões Nordeste e Centro-Oeste.
Diante do quadro de gigantescos desafios, e da incapacidade de governos e empresas em encontrar estratégias para a redução das emissões de GEE e em maior rapidez na transição energética para fontes renováveis, o que resta é a intensificação da mobilização da cidadania global. No mesmo espírito que levou à celebração original do Dia da Terra, cidadãos de várias origens, etnias e classes sociais têm acelerado, de fato, suas ações críticas e também propositivas.
No próprio Dia da Terra, foram vários exemplos nesse sentido.
Em uma Igreja em Manhattan, cerca de 100 representantes de povos indígenas e outros grupos sociais de vários países se reuniram para um “júri simulado” das ações do Citibank em termos do financiamento aos combustíveis fósseis. O evento “The People vs Citi” resultou na “condenação” do banco, que de acordo com um estudo “Banking on climate chaos” é a segunda instituição financeira que mais apoiou a indústria dos fósseis desde 2016, ano posterior ao Acordo de Paris, pelo qual os países de comprometeram a reduzir suas emissões e evitar que a temperatura global cresça mais do que 1,5 grau nas próximas décadas.
Segundo aquele estudo, o Citibank investiu US$ 332 bilhões nos fósseis de 2016 a 2022. Os 60 maiores bancos mundiais investiram US$ 5,5 trilhões na indústria dos fósseis no período, conforme o mesmo estudo. O JP Morgan Chase lidera o ranking, com investimento de US$ 434 bilhões no período.
No mesmo Dia da Terra de 2024, em que os cidadãos reunidos na Igreja de Nova York reiteraram o pedido para que o Citibank e sistema financeiro em geral pare de apoiar a indústria dos fósseis, estudantes das Universidades de Columbia, Tulane e da Virgínia encaminharam petições aos procuradores-gerais dos respectivos estados, questionando o envolvimento dessas instituições universitárias no financiamento da indústria dos fósseis.
Outras ações foram realizadas ao redor do mundo. Também em função do Dia da Terra deste ano, a ONU intensificou sua ofensiva contra as fake news e desinformação em geral sobre as mudanças climáticas. De modo específico, a ONU fomentou a divulgação do projeto Agentes do Verificado, uma rede de cientistas, ambientalistas e comunidades tradicionais do Brasil, Emirados Árabes Unidos e Espanha, que foram capacitados para criar conteúdos originais que sensibilizem e eduquem seu público.
A ideia é que o projeto-piloto implementado nesses países depois se multiplique em escala mundial, em uma grande ofensiva contra a desinformação climática, que sua base no mais rasteiro negacionismo científico. Um negacionismo que rende um bom dinheiro, inclusive, para os seus defensores. Maiores informações a respeito da ação da ONU, apoiada por Fundação Rockfeller, Purpose, Fortescue e rede TikTok em compartilheverificado.com
De novo, apenas a cidadania planetária pode forçar ações mais incisivas de governos e grandes empresas nos rumos que o panorama global exige. Ações urgentes para frear as emissões que apenas estão agravando as mudanças climáticas. Os sinais de alarme estão em todos os lugares. No Nordeste brasileiro, uma área já foi confirmada como de clima árido, semelhante ao de desertos.
Na Colômbia e Equador, uma seca histórica tem levado a medidas extremas, como o pedido surreal do prefeito de Bogotá de que os cidadãos tomem “banho a dois” para economizar água. Secas extremas e tempestades violentas. Duas situações que tendem a se propagar no Brasil e em várias outras regiões.
Não dá para adiar. O Dia da Terra de 2024 reforçou o apelo à cidadania planetária para ações concretas e rápidas. Em Campinas, no Brasil, em cada canto desse lindo planeta azul.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]