A todo momento algum incidente relacionado ao cuidado do paciente pode estar acontecendo. Uma medicação administrada de forma ou dose errada, uma evolução realizada no prontuário de outro paciente, uma queda no leito e outras coisas que são inerentes ao cuidado, mas que é prestado por outro ser humano no papel de um profissional de saúde. Muitos pacientes são vítimas de falhas na assistência, sofrendo eventos adversos que podem até matar.
Os primeiros estudos na área culminaram, em 1999, com a publicação do relatório “Errar é Humano: Construindo um sistema de saúde mais seguro”. O relatório apontou que cerca de 100 mil pessoas morreram em hospitais a cada ano vítimas de eventos adversos nos Estados Unidos da América (EUA). Essa alta incidência resultou em uma taxa de mortalidade maior do que as atribuídas aos pacientes com HIV positivo, câncer de mama ou atropelamentos. Desde então, a pressão para aumentar a segurança do paciente tem crescido continuamente em todo o mundo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2004, demonstrando preocupação com a situação, criou a Aliança Mundial pela Segurança do Paciente. Os objetivos desse programa, (que passou a chamar-se Programa de Segurança do Paciente) eram, entre outros, organizar os conceitos e as definições sobre segurança do paciente e propor medidas para reduzir os riscos e mitigar os eventos adversos, que à época priorizou duas, que foram denominadas de desafios globais: reduzir a infecção associada ao cuidado em saúde, por meio da campanha de higienização das mãos, e promover uma cirurgia mais segura, pela adoção de uma lista de verificação antes, durante e após o ato cirúrgico.
Além disso outras soluções têm sido estimuladas pela OMS, tais como: evitar erros com medicamentos que tenham nomes e embalagens semelhantes; evitar troca de pacientes, ao prestar qualquer cuidado – administrar medicamento, colher amostra para exame, infundir bolsa de sangue e etc.; garantir uma correta comunicação durante a transmissão do caso; e melhor controle das soluções venosas.
No Brasil, o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), formalizado a partir de uma portaria ministerial, traz diretrizes organizacionais visando a necessidade de gestão de riscos voltada à qualidade e segurança do paciente.
Observa-se que a notificação de eventos adversos associados à assistência à saúde no Brasil ainda apresenta uma subnotificação importante, principalmente quando comparadas a levantamentos de países europeus, fato que pode estar relacionado com o conceito disseminado na sociedade de que o profissional de saúde não erra. O mapeamento dos riscos de eventos adversos nas diversas áreas de uma unidade de saúde (hospital, centro de saúde, consultório odontológico, laboratório, entre outros) e a determinação de medidas preventivas, através da criação dos núcleos de segurança do paciente, além do desenvolvimento de uma cultura de segurança justa e transparente e o estímulo ao envolvimento dos pacientes e familiares nos seus respectivos tratamentos, contribuem para a redução dos eventos adversos e consequentemente para uma oferta de assistência à saúde com maior qualidade.
No Brasil, os órgãos e os serviços responsáveis por transfusões de sangue, pelo controle e prevenção da infecção associada ao cuidado em saúde e pelos serviços de anestesia podem ser considerados pioneiros no que tangem às medidas que promovem a segurança do paciente.
Estes, há anos, adotam medidas para garantir a segurança dos processos de cuidado, com bons resultados. A principal dificuldade é o desenvolvimento da cultura de segurança. Ela é o resultado de todas as ações descritas acima. Ela representa o modo como todos trabalham naquela instituição de saúde e como compartilham a visão da segurança do paciente, colocando-o em primeiro lugar.
Quando a cultura de segurança existe, algum evento que atingiu o paciente poderá ser discutido abertamente.
A discussão não terá um caráter punitivo, mas de aprendizado para que não mais aconteça. As pessoas se sentirão seguras de expressar preocupações quanto ao tratamento oferecido ao paciente, de interromper procedimentos que põem em risco a vida do paciente, de não permitir que a hierarquia de cargos ou funções prejudique o trabalho em equipe.
Não existe uma solução única. Existem várias estratégias que deverão ser decididas e aplicadas de acordo com o contexto de cada instituição de saúde. A busca da cultura de segurança é um caminho longo, de melhoria continua e de aprendizado.
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020
Shirley Veronica Alves Franco é enfermeira, mestra em Saúde pública e doutoranda em Clínica Médica da Unicamp