Em 1º de julho de 2021 foi promulgada a Lei 14.181 com o objetivo de disciplinar o crédito ao consumidor, a prevenção e o tratamento do superendividamento.
A Lei inseriu o art. 54-A no Código de Defesa do Consumidor e seu parágrafo primeiro, define: “Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.
Portanto, somente a pessoa natural (física) será beneficiada e que tenha boa-fé, não se incluindo, dessa forma, as dívidas que tenham sido feitas por fraude ou má-fé. A má-fé pode ser exemplificada por contratos assinados com a intenção de não realizar o pagamento.
Um ponto importante a se observar é a contratação de artigos e serviços de luxo, pois a Lei exclui tais contratos de alto valor, haja vista que o objetivo é auxiliar as pessoas que precisam negociar dívidas de consumo que comprometam sua subsistência e não postergar os pagamentos de bens que podem ser considerados supérfluos.
Imagine a discrepância nesta situação: a dívida do financiamento do veículo e do apartamento de uma família simples, que está comprometendo a renda familiar e causando problemas, pois um dos cônjuges está desempregado e uma pessoa que comprou uma bolsa caríssima, de grife e possui o financiamento do veículo importado – híbrido e deseja se valer da Lei para postergar os pagamentos. A Lei não socorre essa pessoa.
Convém ressaltar que a Lei do Superendividamento engloba compromissos financeiros como operações de crédito (empréstimos); compras a prazo e serviços de prestação continuada, por exemplo, água e luz.
A nova Lei determina que o fornecedor ou o intermediário informe o consumidor, de forma clara, o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento; o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias; o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor e o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito.
Essas obrigações são previstas no art. 52 do Código de Defesa do Consumidor, não sendo uma novidade, aplicáveis para qualquer tipo de consumidor, seja “normal”, seja de luxo, contudo, o legislador achou por bem, reiterar tais deveres, em particular a liquidação antecipada, que já era disposta, desde os primórdios do Código, pois, infelizmente, muitos fornecedores, em especial, as Instituições Financeiras, não reduzem os juros e acréscimos na totalidade, como prevê a lei consumerista e ainda, cobram taxas para a quitação, o que é proibido.
A Lei ratifica a proibição de assédio aos consumidores para contratar serviços ou produtos, uma prática corriqueira das Instituições Financeiras, principalmente, aposentados, que são “quase forçados” a contratar empréstimos consignados. A referida norma traz uma novidade, o fornecedor, antes da contratação, tem a obrigação de realizar uma análise apurada, detalhada, da situação financeira do consumidor, devendo consultar os bancos de dados dos órgãos de proteção ao crédito.
Oportuno se torna dizer que a Lei do Superendividamento traz uma espécie de “recuperação” da pessoa física, similar à recuperação judicial das empresas (pessoas jurídicas), chamada pelos especialistas de “instrumento de renegociação em bloco das dívidas”.
Por conseguinte, caso não consiga renegociar suas dívidas de forma que não comprometa sua existência mínima, o devedor ou seu advogado poderá requerer ao Poder Judiciário a instauração do processo de repactuação de dívidas, previsto no art. 104-A, do Código de Defesa do Consumidor, inserido pela Lei 14.181/21, trazendo à conciliação todos os seus credores e propor um plano de pagamento que não afete sua subsistência.
Por fim, importante esclarecer que o credor não é obrigado a aceitar o plano de pagamento ofertado pelo consumidor, entretanto, poderá sofrer sanções a ser aplicadas pelo magistrado, tais como, aguardar até que todos os credores que aceitaram o acordo sejam satisfeitos e suspensão de seu crédito, das multas e juros, enquanto durar o acordo entre o devedor e os credores aceitantes.
Renato Ferraz Sampaio Savy éadvogado Imobiliário e Condominial, mestre em Direitos Difusos e Coletivos, professor universitário e coordenador da pós-graduação de Direito Contratual e Direito Imobiliário do Proordem-Campinas
*Fonte: Savy, Renato Ferraz Sampaio Savy e Dutra, Stephani. Guia da Compra de Imóvel na Planta e do Distrato. 2021. Editora SCHOBA