A Academia Campinense de Letras (ACL) completa 67 anos neste mês de maio com a marca do rejuvenescimento. A volta consolidada da convivência social depois do período rigoroso de isolamento durante a pandemia do coronavírus reaviva nos acadêmicos a motivação pela produção cultural. Esse espírito foi revelado durante um encontro de 15 deles nesta semana em uma sala do histórico prédio da ACL no Centro de Campinas. Na divulgação do aniversário da instituição, que acontece nesta quarta-feira (17), falaram do seu passado, presente e futuro.
E destacaram como principal meta intensificar cada vez mais a descentralização da Academia e a abertura de suas portas para a comunidade.
O projeto “Como Escrever um Livro” exemplifica o fortalecimento do perfil inclusivo da instituição, segundo explica a vice-presidente da ACL, Ana Maria Negrão. Criada há dois meses com o apoio da Fundação Municipal para Educação Comunitária (Fumec) e prevista para durar um ano, a ação é voltada para estudantes de baixa renda.
“As sessões da Academia passaram a ter a participação de alunos de escolas da periferia, que são transportados para o prédio em dois ou três ônibus”, conta Ana Maria, ressaltando que o projeto envolve entre 300 a 400 estudantes e também conta com participantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A parceria com a editora Adonis, de Americana, contribuirá para a conclusão do trabalho.
O presidente da ACL, Jorge Alves de Lima reforça a importância da abertura da Academia para os grupos menos favorecidos da sociedade campineira, principalmente envolvendo crianças e adolescentes. Ele acrescenta que nas visitas dos alunos às sessões, cada um deles volta para casa com livros na bagagem.
“É lá na periferia que muitas vezes está alguém que, futuramente, pode ser um escritor ou um presidente da Academia Campinense de Letras”, destaca.
Alves de Lima também revelou que já é pauta de análise na instituição a saída de algumas sessões do prédio para possibilitar uma maior aproximação junto à comunidade. “O objetivo é que alguns acadêmicos possam ir até as escolas, falar de suas experiências e, quem sabe, despertar o interesse de jovens pela literatura e cultura de forma geral”, conta.
Mais perto dos campineiros
Órgão linguístico e literário de Campinas, a ACL está empenhada em extinguir de vez o estereotipo elitista que ainda a caracteriza diante de muitos olhares. Segundo Agostinho Toffoli Tavolaro, que ocupa a cadeira 40, esse movimento no sentido de abandonar a condição de “clube fechado e isolado”, admitido até mesmo por membros do passado, teve início ainda no ano 2000, quando o jornalista, escritor e educador Rubem Costa chegou à presidência.
“Na última reunião, antes do Rubem assumir o comando da casa, havia somente três acadêmicos presentes”, conta. O cenário forçou a mudança.
Com o novo presidente, diz Tavolaro, divisões entre acadêmicos foram sanadas e um novo modelo de gestão passou a predominar. “Entidades culturais que não tinham sede, por exemplo, passaram a encontrar espaço e acolhimento no prédio”, recorda. “Houve ainda uma rejuvenescida no corpo acadêmico e uma abertura de campo para nossas atividades. A Academia passava, então, cada vez mais a atrair o interesse do público.”
Também foi obra de Rubem Costa levar a biblioteca da ACL mais próxima dos acadêmicos, a transferindo do Centro de Ciências Letras e Artes para a área onde funciona o Sindicato dos Ferroviários, vizinha à sede. E agora, nesta quarta-feira, será inaugurada no prédio da Academia a nova biblioteca, que terá o nome do revolucionário educador, falecido em fevereiro do ano passado aos 102 anos de idade.
São aproximadamente dez mil volumes que ficarão expostos em estantes à esquerda da sala de entrada da tradicional edificação. Sérgio Castanho, o primeiro secretário de Cultura de Campinas, será o diretor da biblioteca. À direita do espaço seguirão as atividades da Galeria de Artes Lélio Coluccini.
Tavolaro lembra que assumiu a presidência em 2006 e deu sequência ao trabalho de envolvimento da instituição com a sociedade, iniciado por Rubem Costa. Ele destaca os concursos literários promovidos pelo órgão e a difusão da ACL como um Centro de Cultura, a aproximando de Academias dentro do Estado de São Paulo, do Brasil e também do Exterior, principalmente de Portugal.
Retomando as atividades
Avançando no tempo, Ana Maria Negrão aborda os entraves sofridos pela Academia durante a pandemia do coronavírus. E destaca que a instituição campineira chega aos 67 anos revigorada. “A pandemia nos impôs sequelas significativas. Muitos acadêmicos faleceram naquele período e a situação nos obrigou a uma reclusão. Foram três anos sem atividades literárias, mas agora estamos retomando de vez”, expõe.
Até eleição de novos acadêmicos voltará a acontecer neste mês. Ana Maria explica que no próximo dia 29 está programada a votação de dois novos membros. São sete vagas abertas. A Academia tem 40 cadeiras.
“Para ser um acadêmico, o caminho não é fácil”, diz, acrescentando que uma das condições é possuir uma obra literária de relevância. “Não são só pessoas formadas em letras que estão no nosso meio. Há também especialistas em ciências jurídicas, sociologia, antropologia, jornalistas”, detalha. “Trata-se de um grupo que cultiva a literatura brasileira, portuguesa e de outros países, como França e Inglaterra.” A vice-presidente define a instituição como “um farol em Campinas”.
Origem, aluguel, prédio próprio e revitalização
Na reunião dos 15 acadêmicos nesta semana para a divulgação do aniversário da ACL, Lauro Péricles, prefeito de Campinas de 1973 a 1977, esteve presente. Ele foi o responsável pela construção do prédio que fica em uma área tranquila no Centro, na Rua Marechal Deodoro. Para a realização da obra, contou com a contribuição decisiva do engenheiro Lix da Cunha, dono de uma empreiteira e que hoje dá nome a uma importante via de Campinas.
A edificação, de arquitetura antiga, “no estilo greco-romano”, como define Lauro Péricles, foi entregue em 1976 e atribuiu grandiosidade à Academia, que antes realizava atividades em locais improvisados após a demolição em 1965 do Teatro Municipal, onde aconteciam as reuniões.
A ACL foi fundada em 1956 pelo linguista Francisco Ribeiro Sampaio.
Atual presidente, Jorge Alves de Lima conta que um dos momentos mais difíceis para ele desde sua ingressão na instituição foi ver a deterioração do prédio em 2019, ano em que assumiu o comando. “Quando entrei no salão nobre e vi aquelas goteiras, sentei e chorei”, lembra o advogado, historiador e escritor, que decidiu encampar uma reforma do espaço.
Hoje, a edificação está com telhados, calhas, pisos e rede elétrica restaurados. Alves de Lima adianta ainda que a fachada do prédio ganhará nos próximos dias um novo cenário, com a instalação de refletores para iluminar a arquitetura. Ele acrescenta que a medida faz parte de um projeto da Prefeitura de restaurar a iluminação pública nos espaços urbanos de Campinas.
“Estamos localizados em um ponto estratégico para a revitalização do Centro planejado pela Prefeitura”, afirma o acadêmico, ressaltando a presença no entorno de prédios tradicionais, como do Mercado Municipal, Hospital Vera Cruz, Hospital Beneficência Portuguesa e Colégio Culto à Ciência. “E ainda estamos próximos também do novo e moderno Hospital São Luiz, recém-inaugurado”. ressalta.
Jorge Alves de Lima faz questão de aproveitar os 67 anos da ACL para homenagear três pessoas que leva com gratidão no peito: o prefeito Dário Saadi, por compreender a importância da cultura e apoiar as reformas estruturais e os eventos; o secretário municipal de Serviços Públicos, Ernesto Dimas Paulella, por liderar as obras e arregaçar as mangas com a sua equipe; e o amigo José Eduardo Florence Teixeira, um incansável batalhador pela cultura, um devoto das artes e da literatura que religiosamente registra e divulga os capítulos culturais de Campinas, em especial o da ACL. “Não poderia deixar de registrar essa minha gratidão a essa três pessoas essenciais”, enfatiza o presidente.
Valorização da mulher
Das 36 cadeiras preenchidas hoje na Academia, 40% são ocupadas por mulheres, contabiliza Alves de Lima. “A verve literária não tem sexo”, diz o presidente, enfatizando a importância da mulher para o crescimento e valorização da instituição. A primeira representante feminina no órgão foi Maria José Morais Pupo Nogueira, então diretora de cultura da Prefeitura de Campinas, nos anos de 1970. A premiada escritora, que morreu em 2015 aos 102 anos, abriu as portas para a inclusão e hoje, além da vice-presidente Ana Maria Negrão, um dos nomes mais importantes entre os acadêmicos é o de Cecília Maria do Amaral Prada, ocupante da cadeira 7.
Jornalista premiada com o Esso e escritora de personalidade vigorosa, Cecília foi homenageada nesta terça-feira (15) na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), em São Paulo, cujo Centro Acadêmico, aliás, leva o seu nome.
CONFIRA MAIS IMAGENS
Atravesse a tempestade
Jorge Alves de Lima é incansável. Sua obra historiográfica de Carlos Gomes é reconhecida internacionalmente. Sua pesquisa sobre o nosso maestro, o Tonico, jogou luz sobre um dos maiores nomes da cultura brasileira. Pesquisador inveterado e com faro jornalístico, Jorge Alves de Lima costuma “dar furos” e descobrir passagens pouco exploradas ou adormecidas nas gavetas do tempo.
Seus livros sobre a febre amarela e a saga dramática campineira também estão nas melhores prateleiras da pesquisa literária e histórica do País.
Aliás, o presidente da ACL não se cansa de exaltar três personagens que o inspira e que sempre o motiva a seguir em frente: Machado de Assis, com sua obra magistral; Juscelino Kubitschek, com seu estilo visionário e empreendedor, e o estadista e escritor britânico Winston Churchill, que teve participação decisiva na Segunda Guerra Mundial. Deste último, Jorge Alves de Lima leva um lema para a sua vida: “se vier uma tempestade, atravesse!”, ou seja, não pare de andar e de caminhar, mesmo que houver turbulência, mesmo que o inferno se avizinhe.
A programação
Veja a agenda de comemoração do aniversário de 67 anos da ACL neste 17 de maio de 2023:
19h30 – Abertura com o Hino Nacional e palavra do presidente da ACL
19h45 – Alocução do acadêmico Agostinho Tavolaro sobre a trajetória da ACL
20h10 – Palestra proferida pela acadêmica Olga Rodrigues de Moraes von Simson sob o título “Samba paulista: experiências, estórias e memórias”
21h – Concerto musical com peças clássicas pelo pianista Milton Tadeu Vieira
21h30 – Inauguração da Biblioteca Rubem Costa
Simultaneamente, ocorrerá a exposição de quadros com o tema Amor Materno na Galeria Lelio Coluccini, organizada pela curadora Marly Stracieri