O presidente Jair Bolsonaro (PL) abriu uma nova crise com o Supremo Tribunal Federal (STF). Na noite desta quinta-feira (21), ele concedeu uma “graça constitucional” ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado, na véspera, a mais de oito anos de prisão e à cassação de mandato pela Corte. A decisão pegou de surpresa magistrados do STF que avaliam se terão de julgar o decreto do chefe do Executivo, segundo fontes.
O presidente anunciou o perdão aos crimes de Silveira em uma transmissão ao vivo nas redes sociais. O ato foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União. “Um decreto que vai ser cumprido”, disse Bolsonaro. “É uma notícia de extrema importância para a nossa democracia e a nossa liberdade. É um documento que eu comecei a trabalhar desde ontem, quando foi anunciada a prisão de 8 anos e 9 meses ao deputado federal Daniel Silveira”, afirmou.
Bolsonaro se apoiou no artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal, que prevê: “Na graça, o presidente da República pode perdoar o condenado da totalidade da pena ou somente efetivar a comutação reduzindo-a em parcela fixa ou proporcional fixando a pena que ainda deva ser concretamente cumprida pelo condenado”.
No entanto, o fato do caso ainda não ser considerado transitado em julgado é o que põe em xeque a constitucionalidade do decreto do presidente, pois a própria lei diz que a ação precisa ser encerrada para que a graça seja concedida.
Além disso, juristas observam que o decreto fere o princípio da impessoalidade, já que o presidente está beneficiando diretamente um aliado político. A interpretação nos meios políticos, é que Bolsonaro vai testar “ao limite”, mais uma vez, o STF. As cenas dos próximos capítulos são imprevisíveis.
Aceno político
Ao conceder perdão ao deputado Daniel Silveira, Jair Bolsonaro provoca nova instabilidade entre os Poderes. Com a sinalização para a base mais radical, o presidente demonstra disposição em brigar com o Judiciário para garantir a reeleição no pleito deste ano. Na avaliação do cientista político Leonardo Queiroz Leite, doutor em administração pública e governo pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o ato de Bolsonaro reforça a relação conflituosa instalada na Praça dos Três Poderes.
“O Supremo é uma espécie de inimigo para o bolsonarismo. E isso é grave, do ponto de vista democrático, porque o STF é o guardião da Constituição, da liberdade democrática”, aponta Leite.
O que diz a lei
A graça, um tipo de indulto individual, é prerrogativa do chefe do Poder Executivo e está prevista na Constituição Federal de 1988. Segundo o inciso XII do artigo 84, é de competência do presidente da República “conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”.
No entanto, a concessão de indultos não é ilimitada: são considerados crimes “insuscetíveis de graça ou anistia” a prática de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e demais crimes definidos como hediondos. No decreto que concede perdão a Daniel Silveira, Bolsonaro fez uso do artigo 734 do Código de Processo Penal (CPP), que trata da concessão de graça, indulto, anistia e da reabilitação. O trecho diz que o presidente da República possui a faculdade de concedê-la espontaneamente “a qualquer pessoa do povo”.
Imbróglio
O decreto de graça ao deputado Daniel Silveira não tem aplicação imediata. Para tanto, é preciso ter o trânsito em julgado do processo (término da possibilidade de recursos) para a acusação e a análise do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) responsável pela execução da pena de Silveira, que ainda pode considerar ilegal o decreto de Jair Bolsonaro.
Além disso, o decreto de graça incide apenas na execução da pena de privação de liberdade e não sobre os “efeitos civis da condenação”, como a multa processual, imposta ao deputado pela Corte, e a inabilitação para a função pública em razão de a pena ter sido superior a quatro anos de prisão. Ou seja, mesmo com a concessão da graça, Silveira estaria com seus direitos políticos cassados, de acordo com o Artigo 92 do Código Penal Brasileiro.
Essa é a opinião do integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Ulysses de Oliveira Gonçalves Junior. Além disso, aponta o desembargador, com a Lei da Ficha Limpa, a decisão coletiva que impõe “a perda da capacidade de elegebilidade não o permite se candidatar”.
“O decreto de graça faz desaparecer o crime, mas não os efeitos civis da condenação. Ele perde a primariedade. E o Supremo pode não acatar e recusar o decreto, ao analisar a sua constitucionalidade.” Para ele, tanto a graça (individual) como o indulto (coletivo) “devem ser concedidos após o trânsito em julgado de um processo, ou seja, quando acabam todas as possibilidades de recurso para a defesa”. O desembargador foi juiz por quase duas décadas do Departamento de Execuções Criminais do TJ de São Paulo e hoje atua na 10.ª Câmara Criminal do TJ.
Bolsonaro põe STF na arena política
O indulto oncedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira, contrariando o entendimento de dez ministros do Supremo Tribunal Federal, empurra o Poder Judiciário ao terreno do bolsonarismo. O gesto do chefe do Planalto põe a política no caminho da Justiça, em um ano eleitoral. O desgaste para os integrantes da mais alta Corte de Justiça do País será incontornável.
Ao justificar a concessão do perdão ao parlamentar, Bolsonaro empregou argumentos jurídicos, como defesa da liberdade de expressão, e noções subjetivas,como a de que a “sociedade encontra-se em legítima comoção”. O objetivo, entretanto, é claramente político.
Para juristas, não se trata de preservar um senso de justiça, mas manter no campo eleitoral uma controvérsia que, na última quinta-feira, ganhou claro entendimento no Judiciário. O STF pode frear o ímpeto presidencial em resposta ao decreto, mas não conseguirá evitar a tensão institucional detonada pelo Palácio do Planalto, com evidentes efeitos políticos e econômicos, avaliam.
Note-se que o réu em questão foi condenado por incitação a atos antidemocráticos e ataques aos ministros do Supremo.
Apesar de Jair Bolsonaro ter mirado o Supremo Tribunal Federal, quando baixou o decreto perdoando o deputado Daniel Silveira, a primeira instância a reagir deverá ser a Justiça Eleitoral. É pacífico entre juristas, inclusive bolsonaristas, que o decreto não livra Silveira da perda do direito de tentar a reeleição. E, assim, deverá ser confirmado que ele está fora do jogo político neste ano.
Com isso, ministros de tribunais superiores não acreditam que haja motivos para o STF entrar numa briga contra Bolsonaro neste momento. A decisão do presidente, por outro lado, está estimulando a criação de uma rede de defesa da legalidade, com magistrados de diferentes tribunais, de políticos e da OAB.
Por Chico Bruno/Time Carlos Brickmann