A falta de atenção no momento presente é comum nesse corre-corre que a vida nos impõe, ainda mais depois que a pandemia do coronavírus chegou para no deixar ainda mais estressados. Estudos constatam que nossa mente está dispersa e distraída durante 47% do tempo. Com o mindfulness, ou atenção plena, a pessoa consegue deixar de lado as distrações para viver plenamente o ‘aqui e agora’.
Em Campinas, uma expert no assunto é Daniela Araújo, co-diretora do Centro Brasileiro de Mindful Eating desde 2017, e membro do The Center for Mindful Eating. Doutora em Ciências Sociais e mestre em Antropologia Social pela Unicamp, desenvolve pesquisas sobre transtornos alimentares desde 2001. Faz parte da equipe que idealizou, fundou e conduziu o GETA – Grupo Interdisciplinar de Assistência e Estudos em Transtornos Alimentares da Unicamp.
Daniela confirma: inúmeras pesquisas apontam que, junto à pandemia, vivemos uma ‘pandemia’ paralela de adoecimento psicológico que inclui sintomas e transtornos ansiosos, depressivos e alimentares. Se a pandemia por si só já gera um desgaste à saúde mental, soma-se a ela a elevação do custo de vida, o aumento do desemprego e uma situação nacional em que mais de 41 % da população está enfrentando insegurança alimentar.
Tudo isso também provoca adoecimento físico e mental. Por outro lado, muitas das pessoas que tiveram Covid estão sofrendo com sintomas psicológicos secundários à infecção.
Foi Daniela Araújo, instrutora, supervisora e trainer certificada de mindfulness quem criou, em 2015, a Sermente Mindfulness, enquanto ainda fazia um pós-doutorado na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), com a intenção de oferecer programas de mindfulness e mindful eating em Campinas, de forma presencial e on-line.
Ainda em 2015, traduziu, adaptou e implantou o primeiro programa de mindful eating no Brasil, ao lado de uma colega de pós-doutorado, a nutricionista Vera Salvo. Em 2017, ingressou no Centro Brasileiro de Mindful Eating como uma de suas co-diretoras, ao lado de Paula Teixeira e Driele Quinhoneiro.
A Sermente Mindfulness desenvolve vários programas em grupos, com encontros semanais e duração pré-estabelecida. Também oferece um trabalho personalizado individual em alguns casos específicos, bem como um trabalho especialmente voltado para pessoas que sofrem com transtornos alimentares.
A especialista afirma que, com a pandemia, notou um discreto aumento na procura pelos serviços que oferece, “mas é importante dizer que o trabalho com mindfulness não é indicado para os momentos mais agudos de crise, e que embora ele tenha efeitos terapêuticos, não substitui uma psicoterapia ou um acompanhamento psiquiátrico quando estes se fazem necessários”.
O método tem mais utilidade para ajudar a reconquistar e ampliar a qualidade de vida e o bem-estar após a pessoa ter saído da fase aguda, gerando mudanças de hábito e criando as bases para um autocuidado constante e sustentável a longo prazo, contribuindo para ajudar a prevenir ou a manejar dificuldades que eventualmente possam surgir.
Entre os principais benefícios do mindfulness, Daniela cita maior flexibilidade cognitiva e maior regulação comportamental e emocional, bem como manejar melhor situações estressantes e aumentar a resiliência. “Isso faz com que o mindfulness seja um ótimo aliado para auxiliar exatamente nesses problemas relacionados ao desgaste gerado pelo efeito cumulativo do estresse da pandemia”, explica.
“Vivemos uma situação atípica, então é perfeitamente normal enfrentar mais cansaço, menos motivação, mais oscilações de humor ou estar um pouco mais à flor da pele. No entanto, se isso estiver atrapalhando as suas atividades diárias a ponto de gerar prejuízo no trabalho ou nos seus relacionamentos, é importante procurar um profissional de saúde habilitado que possa avaliar se isso já se tornou um problema clínico. O mindfulness pode ser um aliado importante de uma psicoterapia ou de um tratamento medicamentoso”, esclarece Daniela.
Muitas pessoas passaram a relatar dificuldades com a alimentação durante a pandemia, bem como a preocupação com o ganho de peso. O mindful eating pode ajudar a reconhecer os sinais de fome e saciedade, a cuidar do comer por razões emocionais e a cultivar uma relação mais compassiva com o corpo, a atividade física e a comida, e a (re)conquistar um maior equilíbrio nesses campos.
Focar a atenção em apenas uma tarefa é um desafio e a meditação mindfulness pode ser a resposta para se manter presente. De modo geral, o treinamento visa refinar a sua atenção com exercícios diários para desenvolver a concentração.
O mindfulness também é conhecido como a psicologia da atenção plena. Ou seja, onde o psicólogo trabalha a disciplina da mente com o objetivo de aumentar o foco. “Algumas terapias comportamentais de terceira geração, como a terapia de aceitação e compromisso, a terapia dialético-comportamental e a terapia focada na compaixão incorporam elementos de mindfulness. Além disso, profissionais de saúde com treinamento apropriado em mindfulness também têm incorporado a prática em sua atuação clínica com bons resultados”, assinala Daniela.
Confira alguns benefícios proporcionados pela técnica: ajuda a desenvolver a inteligência emocional; aumenta a sua capacidade de concentração; contribui para o controle do estresse e da ansiedade; reduz os riscos de insônia; reduz o envelhecimento do cérebro; melhora os relacionamentos pessoais; aumenta a capacidade de memória; diminui o impacto de pensamentos negativos e incentiva a criatividade.
Kabat-Zinn, médico e professor americano, fundador da Stress Reduction Clinic, em Massachusetts, é um dos pioneiros no desenvolvimento de pesquisas para a experimentação da meditação mindfulness. Há quem presume que a técnica tem ligação com alguma religião, mas não tem.
Na definição de Kabat-Zinn, “mindfulness é a consciência que emerge ao se prestar atenção de propósito no momento presente, e sem julgamento, à experiência que se desdobra momento a momento”.
A atenção plena é um método de treinamento mental a ser praticado a qualquer momento. É escolher no que focar. Entre os exercícios sugeridos para que a pessoa possa experimentar o mindfulness, o primeiro passo é perceber o ar que entra e sai ao realizar a respiração, bem como a capacidade de ouvir, já que muitas pessoas interrompem o discurso de outras mesmo antes delas terminarem de falar. Também é importante notar a forma como você se alimenta, caminha, corre…
Todo mundo faz xixi, toma banho e escova os dentes diariamente, mas você já se deu conta no que pensa nesses momentos? Melhor seria se concentrar somente em executar essas atividades, sem pensar em outras tarefas anteriores os posteriores.
Sabe aqueles momentos que você está perdendo a queda de braço para a ansiedade? Ou então quando os pensamentos catastróficos estão vindo enfileirados? Ou ainda quando você só queria dormir e a mente resolve fazer mil planos?
Foi no Facebook da Sermente Mindfulness que encontrei a resposta: a técnica 5-4-3-2-1, que consiste primeiramente focar na respiração e depois identificar:
5 coisas que você pode ver
4 coisas que pode tocar.
3 coisas que pode ouvir
2 coisas que pode cheirar
1 coisa que pode sentir o gosto.
A ideia é voltar a atenção para o aqui e o agora. Mostrar quem está no comando. Mas se persistirem os sintomas, não hesite em procurar ajuda especializada.
De imediato, o que aprendi com a Sermente Mindfulness, é algo parecido com a frase da canção Divino, Maravilhoso, de Gilberto Gil e Caetano Veloso: “É preciso estar atento e forte”.
Janete Trevisani é jornalista [email protected]