A decisão da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), proferida no âmbito de um procedimento apuratório de práticas ofensivas ao Código de Defesa do Consumidor, em verdade deu grande visibilidade à proibição já existente acerca da comercialização dos DEFS (Dispositivos Eletrônicos para Fumar), sendo o mais conhecido deles o cigarro eletrônico.
Determinou a Senacon às empresas investigadas que cessassem a publicidade e a venda [que costuma ocorrer on line] dos DEFs, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00. Foi, pois, um excelente reforço às disposições da Resolução 46/2009 da Anvisa – que proíbe a industrialização, importação, comercialização e publicidade dos DEFs.
É importante frisar que tanto a Resolução da Anvisa 46/2009 quanto a decisão da Senacon estão amparadas na Constituição da República, na Convenção Quadro de Controle do Tabaco (CQCT) – da qual o Brasil foi um dos principais articuladores e signatários, na nossa Política Nacional de Controle do Tabaco (PNCT), no Código de Defesa do Consumidor, no Estatuto da Criança e do Adolescente [que determina a proteção integral a crianças e adolescentes] e mais recentemente, na Nova Política Nacional sobre o Álcool, Tabaco e outras Drogas – PNAD (2019).
Eis, bem a propósito, um dos pressupostos da PNAD: “Buscar incessantemente atingir o ideal de construção de uma sociedade protegida do uso de drogas lícitas e ilícitas e da dependência de tais drogas.”
Vale destacar que a Anvisa, no mês de julho deste ano, em meio à Tomada Pública de Subsídios (TPS) n° 06/22, por unanimidade decidiu que a Resolução 46/2009 não só deve ser mantida, como deve ser aprimorada. E se deve também haver cada vez mais ações articuladas entre diversos atores, tanto governamentais, quanto da sociedade civil. É o que se denomina de “responsabilidade compartilhada” – para que haja a prevenção eficaz voltada aos presentes e futuras gerações.
O consumo de tabaco e seus derivados é responsável por cerca de 8 milhões de mortes ao ano, cerca de 125 bilhões aos cofres públicos nacionais entre gastos oriundos do tabagismo e doenças tabaco-relacionadas.
Além disso, toda a cadeia produtiva do tabaco é altamente poluidora – da produção ao descarte. Afora que os descartes dos produtos na natureza, igualmente poluidores chegam até o aparelho digestivo de espécies marinhas como os golfinhos e as tartarugas. Sem contar que nos cigarros eletrônicos falamos sobre o descarte de baterias de lítio.
Os males associados ao tabaco são conhecidos em escala de pandemia e não é de hoje. O médico e pesquisador José Rosemberg, cuja atualidade impressiona, trouxe na década de 80 o seguinte alerta: “A Organização Mundial de Saúde declara e afirma, com todos os dados que ela recebe do mundo inteiro, que a pandemia do tabagismo causa um maior número de mortes do que as outras doenças e é o maior perigo que a humanidade enfrenta no momento, havendo necessidade de combatê-lo frontalmente”. [in Memórias do Tabagismo, São Paulo, Edusp, 2012, p. 55].
Nosso Ordenamento Jurídico não admite retrocesso. E sim, além de intensa fiscalização, a contínua construção de política de prevenção no que tange aos males associados ao tabaco. A Política Nacional de Promoção da Saúde – PNPS, legitima todo o esforço empreendido intersetorialmente para a informação da população.
O Brasil está em consonância com a Agenda 2030 (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS) onde 5570 municípios que integram o “continente brasileiro” podem estabelecer comunidades saudáveis. E nada melhor que estabelecerem Ambientes Livres de Tabaco para a prevenção da fumaça de terceira mão (ou seria “nicotismo”) em seres humanos, animais e meio ambiente.
Em suma, pensando no contexto da chamada Saúde Única – ONE HEALTH, não há espaço no nosso ordenamento jurídico para a desejada aprovação dos DEFs. Só quem quer isso, além de consumidores incautos [quiçá dependentes] e vítimas da desinformação? A indústria “gigante” do tabaco [Big Tobacco] e infelizmente, a reboque, a criminalidade organizada. Teremos DEF “com CPF na nota” e DEF contrabandeado – ou até DEF contendo substância proscrita a se incidir os comandos da Lei 11.343/2006 [como o THC e outras substâncias].
Eis porque é tempo de se manter hígida a RDC 46/2009 da Anvisa e com os imprescindíveis aprimoramentos de fiscalização [tal qual ocorreu com a Senacon] – para que a vida nos dê flor e fruto; e não câncer com gosto e aroma “fake” de morango, manga ou baunilha… [como há nos DEFs].
Sandra Silva Marques é especialista em Dependência Química, Diretora Técnica de Saúde -CRATOD/SESSP, Coordenação Estadual Programa Nacional de Controle do Tabagismo de São Paulo, membro da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e outras Drogas – ABEAD
Guilherme Athayde Ribeiro Franco é promotor de justiça em Campinas, especialista em Dependência Química, membro da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e outras Drogas – ABEAD