Como se sabe, os parcelamentos especiais no âmbito dos municípios- muitas vezes conhecidos como “Refis” (Programa de Recuperação Fiscal) -, representam iniciativas adotadas pelas prefeituras para auxiliar contribuintes que enfrentam dificuldades financeiras e possuem dívidas tributárias pendentes de regularização.
Tais programas oferecem oportunidades e condições diferenciadas (mais benéficas)para que esses contribuintes regularizem sua situação fiscal com o fisco.
Nesse mesmo contexto, observa-se que o município de Campinas tem demonstrado constante preocupação com a situação fiscal de seus contribuintes, uma vez que, até março de 2023, a Secretaria de Finanças identificou cerca de R$ 24 milhões de débitos em atraso [1].
Diante dessa realidade, torna-se não apenas viável, mas absolutamente necessário instituir um programa de regularização que leve em consideração tanto as necessidades dos contribuintes, quanto às possibilidades de recuperação fiscal para o município.
Um marco importante a se considerar é o sucesso alcançado por Campinas com o REFIS 2021. De acordo com informações disponibilizadas pelo Município de Campinas [2], a arrecadação superou as projeções governamentais, totalizando mais de R$ 137 milhões direcionados aos cofres públicos. Essa conquista foi alcançada por meio da celebração de mais de 16 mil acordos.
Apoiando esses resultados positivos, a Câmara Municipal, em duas reuniões extraordinárias, aprovou na manhã de 07 de novembro de 2023 o projeto de lei do Refis 2023 (PL nº 287/2023).
Nas duas ocasiões, a maioria dos parlamentares votou a favor da instituição do Programa de Regularização Fiscal (“Refis 2023”), com 21 votos a favor e apenas 1 voto contrário.
Neste momento, é importante ressaltar que diversos parlamentares fizeram uso da Tribuna para enfatizar que o Refis não traz benefícios apenas aos contribuintes, mas também ao município, uma vez que os recursos arrecadados poderão ser direcionados para investimentos em áreas cruciais, como saúde, educação e moradia.Desse modo, o secretário de finanças enfatiza que o objetivo deste programa não é apenas arrecadar, mas também ter um impacto social.
Vereadores como Eduardo Magoga e José Carlos dos Santos destacaram que, devido à crise econômica no país, muitos imóveis na região central de Campinas permanecem fechados durante as vendas de final de ano. Isso ocorre devido ao alto IPTU cobrado em Campinas, e esses programas de renegociação de dívidas são essenciais para manter as empresas ativas e gerar empregos.
Por outro lado, justificando seu voto contrário ao programa, a vereadora Mariana Conti afirmou que desde 2014, o Refis beneficia principalmente os grandes devedores que, muitas vezes, não pagam os tributos, pois sabem que poderão negociar as dívidas com descontos, ou seja, “são presenteados com esse tipo de ação”. Segundo a vereadora, o programa acaba incentivando os grandes contribuintes a não pagarem seus tributos, não favorecendo, na realidade, os pequenos empresários e os proprietários de um único imóvel.
A realidade é que não apenas Campinas, mas muitos outros municípios têm adotado estratégias para ampliar a captação de recursos a curto prazo e, consequentemente, diminuir o litígio fiscal.
Isso se alinha ao sucesso do instituto da transação tributária federal, que, de acordo com dados divulgados pela PGFN, já regularizou mais de R$ 466,6 bilhões em dívidas, destacando a importância desse tipo de programa para a regularização das empresas.
Ao refletir sobre os benefícios do PL nº 287/2023, é possível observar que o projeto de Lei prevê a concessão de descontos de até 70% em juros e multas para as chamadas dívidas tributárias (IPTU, ISS, ITBI, Taxa de Lixo e autos de infração desses impostos). Além disso, os parcelamentos poderão ser realizados em até 12 vezes sem encargos e em até 60 vezes com 6% de juros compensatórios ao ano. Para aqueles com dívidas superiores a R$ 1 milhão, a possibilidade de parcelamento se estende a até 96 vezes.
Outra novidade é a concessão de benefícios para dívidas não tributárias. Os contribuintes que deixaram de pagar multas de órgãos como o Procon, Vigilância Sanitária e Cofit poderão regularizar seus débitos com até 15% de desconto, em até 60 meses.
Entretanto, ao fazer uma análise comparativa notamos que, em nível federal, a União promoveu diversas concessões para viabilizar acordos. O município de Campinas, por outro lado, demonstrou inflexibilidade, especialmente no que diz respeito ao percentual de descontos e ao prazo para pagamento.
No que se refere aos prazos para pagamento, no âmbito federal, os débitos podem ser regularizados em até 120 meses, enquanto no Refis Campinas, o prazo de negociação base é de apenas 60 meses. Além disso, nas negociações federais, os descontos incidentes sobre juros, multas, e acréscimos legais podem chegar a até 100%, limitados a 65% do valor total dos débitos. Em contrapartida, o município de campinas prevê o desconto de até 70%.
Embora os benefícios possam não ser tão atrativos quanto os oferecidos pelo programa de transação federal, que atualmente prevê descontos de até 100% em juros, multas e encargos, juntamente com parcelamentos de até 120 meses, a expectativa do Município é arrecadar até R$ 60 milhões ainda este ano, o que representaria um retorno significativo para os cofres municipais e contribuiria de maneira substancial para o aumento da arrecadação.
Levanta-se, no entanto, a questão de se o município de Campinas não estaria limitando os benefícios concedidos.Não seria relevante refletir sobre a possibilidade de instituir um programa ainda mais vantajoso, principalmente para atender aos interesses dos grandes devedores? A experiência de outros entes federativos demonstra que aprimoramentos são cruciais para aumentar a adesão, reduzir conflitos fiscais e fortalecer a arrecadação.
Por fim, é importante ressaltar que o Projeto de Lei (PL nº 287/2023), que institui o Programa de Regularização Fiscal “Refis 2023”, foi sancionado pelo prefeito Dário Saad e teve início a partir do dia 17 de novembro de 2023.
As negociações serão feitas até 22 de dezembro e, nesta edição do programa, não será possível prorrogar o prazo, uma vez que a Lei Federal nº 9.504/1997 proíbe a concessão de benefícios pela Administração Pública em ano eleitoral.
Portanto, a implementação efetiva do Refis 2023, proporcionará uma oportunidade valiosa para que a cidade de Campinas continue a manter sua saúde financeira e promova a regularização de dívidas tributárias pendentes.
Sem dúvida, trata-se de um importante e positivo passo em direção a uma relação fiscal mais saudável entre os contribuintes e o poder público, além de um caminho para o desenvolvimento econômico sustentável do município.
Lucas Montenegro é advogado especialista da área tributária administrativa do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados.
Melissa Thomé é advogada Junior da área tributária administrativa do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados.
Fontes:
[1] https://portal.campinas.sp.gov.br/noticia/47712
[2] https://portal.campinas.sp.gov.br/noticia/42822