Campinas inicia neste mês de maio uma ampla discussão sobre as regras de horário de funcionamento de bares e restaurantes. O primeiro passo acontece com uma audiência pública, envolvendo toda a sociedade para ouvir as dores de cada envolvido nesta questão, e chegar a uma solução que seja benéfica e harmoniosa para todos. Como parte diretamente interessada, a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes na Região de Campinas), entidade que representa o setor, entende que a mudança precisa e deve ser legal para todos.
Como metrópole e centro de compras de toda a região metropolitana, Campinas tem um papel vital tanto para a economia regional quanto nacional, especialmente para gastronomia. Há duas décadas, Campinas tem apresentado uma evolução marcante no setor, com abertura e consolidação de novas casas, atração de chefs renomados e construção de uma cena gastronômica que passou a ser uma das mais respeitadas do Estado de São Paulo, considerada de igual para igual com sua Capital.
Ao mesmo tempo que vemos este positivo avanço e o crescimento da importância do setor, o maior empregador do País, outros aspectos legais colocam em pauta discussões sobre a legislação vigente que regram o funcionamento destes comércios.
Com o passar dos anos, as regras municipais descolaram da realidade de como funciona o comércio noturno, acarretando graves problemas para os estabelecimentos, para os moradores vizinhos e, em uma mudança mais recente na legislação, para a comunidade artística local, especialmente músicos que dependem da noite para manter a sobrevivência.
Desde 2018, bares e restaurantes que desejam ter suas portas abertas ao público após às 22h ou oferecer entretenimento musical, mesmo que só um piano ou uma apresentação de voz e violão, são submetidos a um processo de liberação de alvará extremamente burocrático, que em muitos casos chega a levar anos para serem resolvidos.
Mais de 93% do setor trabalha com o horário noturno, após 22h.
Por esse simples fato, mais da metade trabalha com a documentação irregular, mesmo operando ou não com entretenimento. É neste ponto que se dá início a um verdadeiro calvário que pode chegar a oito anos de espera por uma resposta.
A incompatibilidade da legislação, somada aos entraves burocráticos, promove e impulsiona o setor a trabalhar de forma irregular, atingindo 89% dos estabelecimentos. Desta situação emergem diversos problemas, que impactam tanto a sociedade, com seu merecido descanso, quanto o setor que precisa funcionar à noite para gerar renda e emprego, quanto a administração pública, que precisa ordenar essa relação de forma harmônica.
O efeito colateral atinge até a cena musical, que tem feito com que os bares e restaurantes, na busca por trabalhar de forma correta, optem por não abrir mais espaço para os artistas da cidade e oferecer música em seus estabelecimentos.
A população perde o lazer e o entretenimento, a cena cultural e artística perde seu espaço, os músicos, seu sustento. Uma afronta na cidade de Carlos Gomes.
No aspecto fiscalizatório, o emaranhado e a complexidade das leis e exigências também traz grandes problemas para o Executivo fiscalizar a conduta dos empreendedores e da população. As equipes de fiscalização têm problemas para entender o que pode e o que não é permitido, o que gera embates com os donos de bares e restaurantes, e até mesmo com clientes.
Na ponta final desse grande problema estão os moradores vizinhos, que reclamam da bagunça, música alta, sujeira nas ruas. Reclamações justas, já que também envolve o legítimo direito do sossego e descanso.
Colocar uma luz sobre o assunto e buscar clareza em regras que possam harmonizar estas questões é de extrema importância e é algo que a Abrasel vem há um bom tempo se disponibilizando em ajudar.
Após 4 anos entendendo o assunto e buscando soluções em outras regiões do Brasil, vemos que uma parcela generosa da harmonização entre as partes pode ser conquistada com adequações simples nas regras de horário de funcionamento do setor.
Atualmente, o regramento padrão estabelece que o horário de funcionamento de qualquer comércio seja restrito a uma única regra, como se todas as empresas funcionassem das 7 às 22 horas. Qualquer coisa fora deste horário precisa passar por uma burocracia muitas vezes inacreditável e beirando o impossível de ser resolvida, o que coloca o empresário em um ciclo vicioso de irregularidade e muitas vezes ilegalidade.
Desta forma, tanto um restaurante com voz e violão, quanto um bar com uma roda de samba ou até mesmo uma casa noturna com centenas de pessoas assistindo um show, são colocados no mesmo âmbito de aprovação e fiscalização, sendo erroneamente tratados da mesma forma.
Atualmente, 92% dos restaurantes funcionam após as 22 horas e menos de 29% trabalham com música ou mesmo geram incomodo aos vizinhos, mas por causa do regramento atual, precisam pedir um alvará especial, que aumenta a burocracia, demanda maior trabalho da administração pública, gera insegurança jurídica e coloca empreendedores de bem em situação de irregularidade.
A Abrasel entende que é preciso estabelecer regras simples, de fácil implementação e fiscalização, capazes de apresentar essas distinções, tornando a legislação mais clara e transparente. Uma legislação mais simples ajuda na desburocratização, delimita as alçadas e responsabilidades de atuação e proporciona o que a legislação deveria fazer: facilitar a vida do empreendedor, gerar emprego, harmonizando a atividade econômica com o convívio social da população.
Uma forma clara de começar a resolver o problema é entender que o setor de bares e restaurantes funciona em um horário diferente do de outros segmentos, não se restringindo entre 7 e 22 horas.
As tentativas de limitar o funcionamento até 22h já se mostraram frustradas: afugentam os empreendedores, não diminuem a procura da população pelo lazer noturno, geram grande atrito para as autoridades no trabalho da fiscalização e o pior, faz com que quem queira trabalhar direito não o consiga e aqueles que buscam trabalhar na irregularidade o façam obstante a lei.
Entendemos que limitar o funcionamento de bares e restaurantes até 22h, como é hoje, é um retrocesso dentro da evolução de Campinas para uma metrópole, que recebe diariamente turistas de negócios, estudantes e visitantes, trazendo renda, geração de empregos e vida pulsante para a cidade.
A ampliação do horário, em discussão, precisa ser legal para todos.
Para os empresários que precisam gerar renda e empregos. Para os músicos, com a volta de uma renda fruto de seu trabalho. Para os fiscais trabalharem com maior segurança. E, especialmente, para os vizinhos poderem ter seu direito ao sossego preservado.
Por essas razões, entendemos que seja correta a revisão do horário de funcionamento, seguindo regras claras que distingam os tipos de atuação dos estabelecimentos no período noturno, cobrando a devida responsabilização do empreendedor e de seus clientes em cumprimento do acordo com a sociedade e as autoridades. Será a maneira que conseguiremos ter um bar amigo da vizinhança.
Matheus Mason é presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) Regional Campinas e Membro do Conselho Nacional