Sempre que chega o Outono, Campinas fica repleta de flores dos ipês, contrastando com o azul do céu, sem nenhuma nuvem, ou com o totalmente nublado dos dias mais e frios e chuvosos como dessa semana. Primeiro chegam as flores dos ipês-roxos, depois dos amarelos, dos rosas e, por último, dos brancos, que, confesso, ver poucos por aqui.
É nesta época que eu ouso chamar o escritor Rubem Alves, que amava ipês, para caminhar comigo.
Rubem, mineiro de Boa Esperança que morou boa parte da vida em Campinas, me contou que ama o ipê-rosa. Ele diz que a beleza da árvore é tão grande que chega a ficar paralisado, olhando a copa rosa contra o céu azul. E conta que imagina que os outros, encerrados em suas pequenas bolhas metálicas rodantes, em busca de um destino, devem imaginar que ele não funciona bem. Digo que ele não está sozinho, pois também não funciono bem quando vejo um ipê.
Conto para ele que, quando estou dirigindo, perco um pouco a atenção do volante quando avisto um ipê florido. Digo também que adoro quando as flores começam a cair, forrando o chão com tapetes coloridos. Ele me alerta que acha um sacrilégio pisar em flores tão lindas, eu concordo e digo que vou ficar mais atenta a isso!
Aproveito nossa caminhada para contar que tenho um motivo especial para amar os ipês-roxos. Quando minha mãe ficou muito doente do coração e um pesquisador da Esalq, em Piracicaba, a prescreveu extrato de ipê-roxo, ao que credito mais 20 anos da vida dela com o coração batendo forte e explodindo de amor.
Vamos para assuntos mais pessoais e conto a ele que coleciono e guardo até hoje seus textos que saiam num jornal de Campinas, principalmente um em que ele fez previsões para o ano 2.000. Ele sorri e comenta: “faz tempo, hein!”
Ele segue me nutrindo de informações sobre a vida dos ipês e revela por que gosta deles de forma especial: “Eles alegram-se em fazer as coisas ao contrário. As outras árvores fazem o que é normal — abrem-se para o amor na primavera, quando o clima é ameno e o Verão está pra chegar, com seu calor e chuvas. O ipê faz amor justo quando o Inverno chega, e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio”.
Rubem me conta que conheceu os ipês na infância, em Minas Gerais.
Os pastos queimados pela geada, a poeira subindo das estradas secas e, no meio dos campos, os ipês solitários, colorindo o Inverno de alegria. “Penso que os ipês são uma metáfora do que poderíamos ser. Seria bom se pudéssemos nos abrir para o amor no Inverno.”
Acordo do sonho ou da caminhada com Rubem Alves, e sigo caminhando sozinha pelas ruas apreciando as floradas de ipês. Este texto é um convite para você também apreciar os ipês floridos da cidade, que já começaram a formar tapetes roxos pelas ruas.
Kátia Camargo é jornalista