Pedro Dirceu Aparecido Eiras passou quase toda a vida como China. Foi com esse apelido que ajudou a transformar o vôlei de Campinas em uma das bases para os passos vitoriosos que a modalidade daria mais tarde. Foi o China do Andorinha Parque Clube e da Ponte Preta, sempre revelando jogadoras, icônico à beira da quadra e carinhoso fora delas. Neste sábado, aos 88 anos, China faleceu no Hospital Beneficência Portuguesa, em Campinas. Deixa esposa, uma filha, três netos, cinco bisnetas e centenas de ex-atletas que lançou para o esporte e para a vida.
O velório será realizado neste domingo (11), a partir das 7h30, no Cemitério da Saudade, em Campinas. O sepultado está previsto para as 10h30.
China passou as últimas semanas lutando para superar diferentes problemas de saúde. Nesse período, ganhou os pensamentos das ex-jogadoras para quem sempre executou mais do que a tarefa de técnico. Conselheiro, pai, confidente, professor, instrutor de fanfarra e orientador eram também algumas de suas atribuições voluntárias. O sorriso fácil fora das quadras nem parecia pertencer ao enérgico treinador movido por gestos incansáveis durante treinos e jogos.
Vôlei e música foram as grandes paixões de China, além da família. Ficou casado por 68 anos com Yolanda Antonelli Eiras. A filha Rosana, claro, também passou pelas quadras de vôlei. Ainda na década de 1970, 20 anos depois de ter assistido pela primeira vez um jogo de vôlei, Pedro Eiras deu início a sua história no momento em que começou a trabalhar como treinador no Andorinha.
Por décadas, e paralelamente ao vôlei, cuidou das fanfarras dos colégios onde esteve como professor de Educação Física. Era figura conhecida da Escola Estadual Dom João Nery, no Bonfim, região onde viveu boa parte da vida. Também foi professor de escolinhas de iniciação da Prefeitura de Campinas até a aposentadoria.
Carinho
Antonio Rizola, atual técnico da seleção feminina colombiana, conta que China foi seu primeiro “adversário” dentro do vôlei, assim que iniciou a carreira de treinador em Campinas. “Quando comecei a trabalhar no Guarani, eu treinava a equipe mirim e ele já era treinador da Ponte Preta”, relembra, destacando algumas das qualidades do antigo rival.
“Estávamos sempre dando muitas risadas e nos divertindo muito fora das quadras. Dentro das quadras a gente brigava muito, porque ele tinha um espírito guerreiro, assim como eu. Minhas recordações com o China sempre foram muito boas. Soubemos respeitar o espaço de cada um, ele me ajudou muito, me ensinou. Vai ficar uma saudade muito grande. Que ele descanse em paz e possamos um dia nos encontrar novamente”.
Sempre em lados opostos da quadra, Antonio de Pádua Báfero, o Pádua, dividiu com China a tarefa de fazer o vôlei ganhar o carinho dos campineiros. As décadas iniciais foram difíceis, mas Pádua, pelo Guarani, e China, pela Ponte, injetaram profissionalismo em um esporte que, à época, era integralmente amador. Pádua tem muitas histórias para contar. E define China em poucas palavras. “Ele foi um educador nato”, assegura.
Pádua conta que China foi pioneiro no desenvolvimento das escolinhas de vôlei em Campinas. Dedicou décadas à missão de formar atletas, não só para o esporte, mas para a vida, uma particularidade marcante do ex-técnico, assegura Pádua.
“O prazer do China sempre foi ensinar. Descobriu no vôlei um mundo em que ele tomou conta, sempre com dedicação. Merece o respeito de Campinas por tudo que fez não só pelo esporte, mas pelas meninas que ensinou e cuidou”, afirma Pádua.
No entedimento de Pádua, China simboliza fielmente a figura do educador. “Ele deu muito carinho, acendeu muita luz no caminho das meninas que ensinou. Transformou vidas. Ninguém fez isso melhor que ele”, assegura.
História
O vôlei feminino de Campinas construiu uma história paralela à da ascensão da modalidade no Brasil. E China fez parte dela. No final dos anos 1970 e início da década de 80, a modalidade já conquistava o carinho dos campineiros e envolvia dezenas de jogadoras em uma prática ainda sem grandes conquistas nacionais. O que atraía a atenção dessas novas jogadoras eram os trabalhos bem-sucedidos realizados em clubes como Círculo Militar, Guarani, Andorinha e, depois Ponte Preta e Hípica.
Não demorou muito para que o talento de China de revelar atletas fosse notado em Campinas. Fortes equipes foram lançadas por ele para rivalizar – e superar – times de Campinas e da capital. Em um evento de exibição pela popularização do esporte, comandou suas jogadoras numa partida contra o Guarani em quadra montada no Largo do Rosário. Era um sábado e as pessoas que estavam no Centro da cidade pararam para conhecer o vôlei.
Na década de 1980, China aceitou o convite para assumir o vôlei feminino da Ponte e, nesse período, estendeu à modalidade o significado da palavra dérbi: Guarani e Ponte Preta travaram grandes duelos, com China de um lado e Pádua pelo Guarani. Foi a partir daí que Campinas se solidificou como o principal centro da modalidade fora da Capital. Cedeu atletas para as seleções estaduais e brasileiras – o vôlei de Campinas, nesse período, lançou Vera Mossa, referência pioneira.
China foi um dos precursores do vôlei feminino em Campinas e, na opinião de algumas de suas ex-jogadoras, uma referência para decisões de vida. Professoras, advogadas, jornalistas, mães e donas de casa têm histórias para contar sobre o antigo mentor. E muito a agradecer. “Ele deixou uma marca expressiva no voleibol campineiro. Os famosos derbis! Vai ficar gravado para sempre em nossos corações. Sua história ninguém apagará”, garante a ex-jogadora Ana Cecília.
Valeu China! Nunca estive do mesmo lado da quadra com você, mas dividimos excelentes momentos em lados opostos. E fomos parceiros na fanfarra, onde você gentilmente me cedia um lugar, mesmo sendo o vôlei o único arremedo de talento que tive na vida.
*Colaborou Rita Pontes