O entorno da Rua Uruguaiana “conta” uma boa parte da história de Campinas. O Bosque dos Jequitibás e os estádios de Ponte Preta e Guarani são apenas alguns elementos importantes no cenário da metrópole. E entre tantas outras presenças marcadas pela tradição naquele setor, uma mulher sai pelo portão, em uma das travessas da Uruguaiana, para caminhar.
“Gosto de andar a pé. Caminho no Bosque dos Jequitibás, no Parque Ecológico e também pelo centro da cidade”, comenta a aposentada de 80 anos, conhecida como Iza pelos amigos. Nos registros oficiais, no entanto, ela é Izalene Tiene, a única prefeita da história de Campinas.
Solteira e sem filhos, Izalene vive cercada de amigos, os quais gosta de receber em seu apartamento, no bairro Bosque, onde mora.
“Fico entre os estádios da Ponte Preta e do Guarani e acompanho os resultados dos jogos do Guarani”, conta ela, ainda integrante do diretório do Partido dos Trabalhadores (PT) da cidade e da comunidade Bom Pastor. Os sobrinhos-netos são seus “grandes amores”.
Apesar de seguir envolvida com movimentos sociais, Izalene prefere o anonimato.
A postura, aliás, sempre norteou sua conduta, corroborada pelas circunstâncias. Afinal, até o fato de ter sido a primeira mulher a assumir o comando da Prefeitura de Campinas em 2001 ficou em segundo plano diante do cenário que a conduziu ao poder.
Então vice-prefeita, Izalene assumiu o comando da metrópole após um dos episódios mais trágicos desses quase dois séculos e meio de história da cidade. A morte do prefeito Antonio da Costa Santos no dia 10 de setembro de 2001 chocou a população. E ainda mais Izalene. Horas antes de ser assassinado com um tiro quando saía do shopping Iguatemi, pela Avenida Mackenzie, e retornava para a casa, Toninho esteve com a amiga.
No Salão Vermelho da Prefeitura, ela participava de um evento com autoridades, quando o prefeito entrou no local de surpresa e disparou: “A Izalene é a primeira mulher na história republicana a ter um cargo de poder em Campinas. Se acontece alguma coisa comigo, ela é a prefeita, a primeira prefeita da história de Campinas”. Horas depois, já em sua casa, a futura chefe do Executivo ouve o telefone tocar e não acredita na notícia que recebe. Essa história é contada no livro “Izalene Tiene, um retrato biográfico a partir do olhar das mulheres”, da jornalista Ivete Cardoso do Carmo-Roldão.
“Fui ao local do crime. Mesmo vendo, não queria acreditar. Depois, fui ao apartamento da família dele”, conta Izalene, para quem o assassinato do petista foi uma “tentativa de tirar o programa de humanização do PT para Campinas.”
Ainda hoje a indignação toma conta da militante. O Caso Toninho foi arquivado pela Justiça.
Um crime sem resposta. Segue a chaga aberta da dor da família e dos amigos. E de uma cidade que pergunta até hoje: “Quem matou Toninho?”
Dores e pressão
Foi em meio a dores pela partida do amigo, que conheceu ainda no início dos anos de 1980 em movimentos populares, e pressão por parte de políticos ávidos a assumir o poder que Izalene iniciou seu mandato como prefeita.
A mulher que ao lado de Toninho tinha tomado a frente do chamado Orçamento Participativo, no qual vinha trabalhando com motivação, se viu de repente em uma situação conflitante. A tristeza muitas vezes foi manifesta com lágrimas no quarto andar da Prefeitura, na cadeira onde seu amigo deveria estar.
Por outro lado, o momento exigia coragem, principalmente diante do preconceito e machismo em um ambiente despreparado para aceitar uma mulher no comando.
“Minha maior dificuldade foi encarar esse modelo autoritário de ser autoridade. Eu queria era a participação das pessoas”, resume Izalene, no livro sobre seu retrato biográfico. Aos poucos, ela foi se cercando de pessoas da sua confiança e conseguiu vencer os desafios.
“Tenho consciência que foi um governo com transparência, dinheiro público com controle popular e políticas públicas implantadas. Tivemos a implantação de políticas sociais de atendimento às mulheres, principalmente no combate à violência de gênero”, comenta. Em 2004, ela foi sucedida por Hélio de Oliveira Santos.
Missionária
Contrária a exposições de sua imagem e alardes de seu trabalho, porém corajosa. O envolvimento de Izalene com a Igreja Católica desde menina resultou em um recorte de vida marcado pela disposição em se doar. Em 2012, ela colocou em prática um antigo projeto e seguiu em missão ao Alto Solimões, fronteira do Brasil com a Colômbia e Peru, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
“Trabalhei em comunidades indígenas e no enfrentamento ao tráfico de pessoas, especialmente mulheres adolescentes”, lembra. “Aprendi muito com o povo do Amazonas.” No final de 2016 até 2018 ela morou em Manaus com a missão de organizar seminários e o trabalho se estendeu por Amapá, Roraima, Acre, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins. “Foi uma benção poder conhecer as pessoas e os territórios.”
Hoje, seja como política, missionária, assistente social, que é sua formação, tia-avó ou única prefeita da história de Campinas, essa campineira nascida na Maternidade segue buscando aprender e unir. Sem abrir mão da caminhada.