Mesmo de maneira ainda incipiente, nas últimas décadas tem havido um maior entendimento da população sobre as questões raciais que permeiam a sociedade brasileira. Em Campinas, metrópole com grande desenvolvimento tecnológico, não é diferente, mas Edna Lourenço, representante de uma das vertentes do Movimento Negro da cidade, aponta a necessidade da presença dos negros nos espaços de poder e de garantir acesso à saúde e lazer para a população.
Edna nasceu em Campinas, é professora e avalia que a cidade ainda mantém os resquícios do período da escravidão. “Campinas é uma cidade conservadora e carrega até os dias de hoje a herança colonial que ainda entende que os negros são instrumentos de trabalho braçal. Nunca há ascensão social e intelectualizada para a população que construiu esse país, que contribuiu e ainda contribui com o desenvolvimento cultural, social, econômico. Muito precisa ser feito para a conquista dos nossos direitos e de respeito como cidadãos e cidadãs campineiros e campineiras”, aponta.
De acordo com Edna, ainda é preciso garantir representatividade dentro dos espaços de poder na cidade para que ela se torne mais inclusiva.
“Campinas precisa avançar muito em busca de uma sociedade inclusiva. Veja os espaços de poder, quantos secretários (as) municipais negros (as) temos? Nos quadros de primeiro escalão da Administração Pública Municipal quantos negros temos? Somos invisíveis nesses espaços do Executivo e Judiciário. No Legislativo ainda conseguimos ter representantes negros, mas poucos que têm compromisso com a pauta racial”, exemplifica.
A militante do movimento negro há muito tempo participa de diversas construções de ações importantes para a pauta racial. Participou ativamente do lançamento do Hino à Negritude, em 19 de Maio de 1995, com a interpretação da cantora Alaíde Costa e o Coral do Lions Clube, com a presença de inúmeras autoridades que foram cumprimentar o autor do Hino, Eduardo de Oliveira, no Centro de Ciências Letras e Artes de Campinas; seminários de combate ao racismo e racismo/intolerância religioso; construiu a Festa de São Jorge de Campinas em 2005, e é fundadora organizadora do prêmio Força da Raça, além de ser membro da organização da cerimônia da Lavagem da Escadaria da Catedral Metropolitana de Campinas.
Toda essa construção fez nascer, em 6 de novembro de 2007, a Associação dos Religiosos de Matriz Africana de Campinas e Região (Armac), da qual Edna é a presidente. A associação, entre outras atribuições, dá respaldo para os centros religiosos em casos de violência, que têm sido cada vez mais frequentes.
“A Armac tem recebido inúmeras denúncias que, após feito o Boletim de Ocorrência, são encaminhadas através de representação ao Ministério Público”, explica.
A militante do Movimento Negro afirma que a Educação é fundamental para a superação do racismo.
“Construir uma sociedade antirracista é iniciar por uma Educação que respeite as diferenças, tratando os diferentes como iguais. Educar Pela Igualdade Racial é adotar políticas públicas de inclusão, que vão desde a formação dos profissionais até os materiais didáticos nas escolas, que respeitem a história do povo negro no Brasil, seus heróis e heroínas, que faça parte da grade pedagógica das escolas. Só a Educação transforma”, afirma.
Edna aponta que o Movimento Negro em Campinas é muito atuante e que a articulação das Casas de Cultura com as Entidades do Movimento Negro têm sido fator decisivo nas Políticas Públicas, Marchas, Seminários, entre outros, mas que algumas situações ainda precisam superadas na cidade.
“É preciso uma atenção às nossas crianças nas escolas, que sofrem com o comportamento racista de professores e de alunos por conta do cabelo; investimento no SUS que garanta um atendimento digno; políticas públicas de segurança para que o negro não seja visto como suspeito na cidade de Campinas; que possamos ser tratados com respeito no comércio, principalmente nos shoppings centers, nos hospitais, cinemas e nos locais de grande circulação de pessoas, por políticas públicas que garantam o nosso bem viver”, define.
“Temos necessidade de locais para diversão de jovens e adultos que atenda o público de baixo poder aquisitivo, como um ciclo permanente de Teatro, Cinema na Praça e Biblioteca Itinerante na Periferia, como forma de conhecimento e de abrir horizontes dessas pessoas”
Edna Lourenço.
Mas nem tudo é militância. Edna ama cozinhar, estar rodeada pela família e pelas pessoas que ama, em volta de uma mesa, além de cuidar das plantas, fazer crochê e sentir a brisa do vento no rosto. Edna é apaixonada por samba e pela escola de samba Mocidade Alegre, na qual desfila há 18 anos.
Para os próximos anos da cidade, a profissional deseja que seja resolvido o chamado Racismo Ambiental que é o processo de discriminação que populações da periferia ou compostas de minorias étnicas sofrem através da degradação ambiental, como poluição e falta saneamento.
“Que os seus governantes combatam com firmeza o Racismo Ambiental. Quando uma empresa se instalar na periferia da cidade de Campinas, que tenha o compromisso em contrapartida de construir uma creche para as crianças locais, de adotar uma praça, que empreguem uma porcentagem dos moradores, que se comprometam, em parceria com o poder público, com o saneamento básico e que não despejem detritos a céu aberto para que as pessoas não tenham sua saúde e qualidade de vida diretamente afetadas”, defende.
Título de comendadora
Edna Lourenço recebeu do Senado, em 20 de novembro de 2014, a Comenda Senador Abdias Nascimento, em sua primeira edição. A honraria foi criada para agraciar personalidades que se destacaram na proteção e na promoção da cultura afro-brasileira.
Segundo a Agência Senado, os homenageados daquele ano foram o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ); os músicos Gilberto Gil e Martinho da Vila; o ator Milton Gonçalves; o professor Silvio Humberto dos Passos Cunha, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), na Bahia; e, in memoriam, o pescador Francisco José do Nascimento (1839-1914), o “Dragão do Mar”, que ficou famoso por sua luta abolicionista no Ceará. Edna foi a única mulher a receber a honraria na ocasião.
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