Tião Rocha é antropólogo e historiador por formação e foi professor universitário em Ouro Preto, Minas Gerais. Durante a carreira universitária percebeu que queria ser um educador e não somente professor. Ele notou que isso não ocorreria se optasse em ficar somente dentro da sala de aula. Então, Tião começou a pensar na possibilidade de uma educação que não ocorreria somente nos bancos escolares e restrita a poucos, mas em qualquer outro lugar como, por exemplo, sob a sombra de uma árvore, nas praças, nos quintais dos vizinhos.
Foi então que ele pediu demissão da universidade e foi para Curvelo, cidade mineira que faz parte do circuito turístico que retrata vida e obra de Guimarães Rosa (1908-1967), escritor nascido em Cordisburgo, Minas Gerais. Lá, Tião encontrou muitas memórias contidas nas obras que leu de Guimarães Rosa, alguns personagens ainda vivos e muito da tradição e cultura popular mineira.
Notou também que havia muita miséria, muitas crianças na rua e que, muitas vezes, as famílias passavam por extremas dificuldades financeiras. Decidiu, em conjunto com outras 26 pessoas, criar um espaço onde as crianças pudessem de fato ‘ser criança’, no período do contraturno escolar.
Nascia assim o projeto Sementinha, que buscava ensinar crianças à sombra, embaixo de uma mangueira (árvore frutífera bem comum na região). Por lá, o brincar deveria ser visto como a primeira sementinha para estar junto, organizar-se e ser feliz. Em 1984 foi fundada oficialmente o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD).
“Descobrimos que a educação só existe no plural, educação é o que a gente estabelece como troca. Podemos fazer esse encontro em qualquer lugar, como, por exemplo, embaixo da sombra de um pé de manga, na praça, nos quintais das casas”, destaca o fundador Tião Rocha.
Dos saberes e fazeres
Conforme as crianças cresciam, elas não queriam deixar o projeto. Desde muito novas sempre foram convidadas a construir seus próprios brinquedos com materiais recicláveis ou objetos da natureza. Muitas iam se desenvolvendo, criando, descobrindo suas potencialidades.
Assim foram surgindo as ‘fabriquetas’, que ensinavam a aproveitar materiais recicláveis, sucatas, e, em 1996, nasceu a Cooperativa Dedo de Gente, um lugar focado na aprendizagem e na solidariedade. Trata-se de um programa que reúne educação, empreendedorismo socioambiental, formação de cidadania e muita criatividade.
O projeto é focado nos trabalhos artesanais que valorizam a cultura popular. Cada produto feito pelas diversas unidades de produção solidária chamadas fabriquetas carregam consigo a riqueza do sertão mineiro.
Mais de 1.500 jovens já passaram pela Cooperativa Dedo de Gente, implantada em Raposos (Região Metropolitana de Belo Horizonte), Curvelo (Região Central) e Araçuaí (Vale do Jequitinhonha). Eles podem se inscrever a partir de 16 anos.
As fabriquetas são núcleos de produção de tecnologias populares, com características e funções comunitárias, que visam o fortalecimento da renda familiar. “Uma das nossas metas era a de não perder nenhum jovem para o corte de cana”, conta Tião.
Encontro com ofícios
Os ofícios vão transformando a vida dos jovens, das famílias. Muitas vezes, eles começam sem saber os nomes das ferramentas, aos poucos vão dominando e expandindo seus saberes. “Nessa busca por capacitar e qualificar os jovens eles acabam aprendendo muito mais que uma profissão. Aproveitamos muitas sucatas, coisas que as pessoas descartam e acham que é lixo, e transformamos em objetos de uso, de decoração”, conta Tião.
Nas Fabriquetas tudo é feito à mão. “Pode ser na serralheria, marcenaria, cartonagem, jardinagem ou pela produção de compotas, licores e geleias, o que importa é exaltar a cultura mineira nas pequenas produções artesanais”, diz Tião.
Para conhecer o trabalho que é feito nas fabriquetas acesse o perfil no instagram @dedodegente.
Kátia Camargo é jornalista e lembrou de um trecho famoso no livro Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, que viveu naquela região.
“O correr da vida embrulha tudo,
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.”