O Parque Portugal, popular Lagoa do Taquaral, era praticamente uma área abandonada; a Avenida Aquidabã se limitava a uma modesta rua; o Viaduto Laurão não existia; e o Centro de Convivência Cultural se resumia a uma obra inacabada. A Campinas do final dos anos 60 ainda era uma projeção da cidade que é hoje. As obras essenciais para o contexto do dia a dia da população no máximo estavam projetadas no papel, ou nem isso.
Nos anos de 1970, no entanto, Campinas passou por muitas transformações. E um dos grandes responsáveis por esse crescimento que atingiu a cidade na ocasião, a preparando para se tornar uma das metrópoles mais importantes do País, está hoje com 88 anos de idade. Lauro Péricles Gonçalves, prefeito de Campinas de 1973 a 1977, vive em seu apartamento, no bairro Cambuí, cercado pelos livros.
Lauro é frequentemente traído pela memória ou visitado pelo esquecimento quando questionado sobre sua vida pública. Mas, entre um assovio e outro, mania que o acompanha, algumas lembranças surgem. Quem também o acompanha é o amigo Jorge Alves de Lima, presidente da Academia Campinense de Letras e parceiro de vida. Jorge fez questão de estar junto da reportagem do Hora Campinas na entrevista com o ex-governante no escritório de seu apartamento.
Entre uma fala e outra de Lauro, Jorge não se furtava a elogiar o amigo, que reagia com humildade. “O grande estadista já enxerga na frente, já vê a obra pronta”, diz Jorge, referindo-se ao surgimento da Aquidabã, uma das avenidas mais importantes de Campinas, construída durante o governo de Lauro Péricles.
O viaduto Laurão também é alvo de comentário.
Concluído no dia 25 de janeiro de 1977, data do aniversário da capital paulista, o trecho que faz a ligação da área central à região leste, à Rodovia D. Pedro I e aos distritos de Sousas e Joaquim Egídio, chama-se, oficialmente, Viaduto São Paulo, mas acabou apelidado com o nome do prefeito no aumentativo.
“O apelido foi dado pelo Romeu Santini, então jornalista do Diário do Povo. Foi uma maneira de se referir ao viaduto e seu construtor, pois o Romeu sempre quis ser prefeito de Campinas. No fim, acabou ficando como uma homenagem ao Lauro”, conta Jorge.
O Observatório de Capricórnio também é obra de sua gestão. Já a inauguração oficial da Lagoa do Taquaral data de 5 de novembro de 1972, ainda no governo anterior, de Orestes Quércia, mas foi Lauro o responsável por implantar melhorias no local.
“Ali era um brejo com uma pequena lagoa antes”, recorda o ex-prefeito.
Outra obra em parceria com Quércia foi o Hospital Doutor Mário Gatti, fundado em 14 de julho de 1974. O Centro de Convivência, por sua vez, ele concluiu após a edificação ser iniciada por Ruy Novaes, prefeito de 1964 a 1969.
Antes de assumir o comando de Campinas, Lauro exerceu o secretariado de Negócios Jurídicos durante a administração de Quércia, seu aliado político. Em seguida, assumiu a direção do Departamento de Água e Esgoto (DAE), sendo figura essencial na fundação da Sanasa.
Nas eleições para prefeito em 1972, se lembra de um cabo eleitoral especial. “O seu Octávio, pai do Orestes Quércia, foi o grande responsável por fazer a minha campanha. Ele ia em todos os botequins da cidade anunciando meu nome.” Jorge conta que o “jeito mineiro” do amigo o fez derrotar figuras lendárias de Campinas nas eleições, como Francisco Amaral, e conseguir, durante sua administração, o apoio do governo militar, mesmo pertencendo ao MDB, partido de oposição.
Leitor contumaz
Lauro Péricles nasceu em Monte Santo de Minas no dia 18 de junho de 1935. Filho de um ferroviário da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, conta que morou ainda em Poços de Caldas e Ribeirão Preto antes de chegar em Campinas no final dos anos de 1950 para estudar direito na PUC.
O hábito de sempre entrar nas aulas com o Estadão debaixo do braço lhe rendeu entre os colegas o apelido de “Julinho de Mesquita”, uma referência ao proprietário do jornal O Estado de S. Paulo.
A leitura sempre fez e ainda hoje faz parte da vida do ex-prefeito de Campinas. Em seu escritório, a mesa é cercada por uma estante de livros. Suas grandes referências são Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.
Já a prioridade de um governante tem que ser saneamento básico, defende. “A cidade que não tem esgoto captado, tratado e jogado no rio não tem nada”, discursa.
Uma grande dor foi ter perdido o amigo Orestes Quércia, falecido em 24 de dezembro de 2010. “Quando ele morreu, eu quis morrer junto”, lembra.
Foi na pensão onde morava perto da PUC, na época de estudante, que Lauro conheceu Maria Lázara Duarte Gonçalves, que se tornou sua esposa. Hoje, a ex-primeira dama, que tinha como lema e ação o cuidado com os mais carentes, precisa ser cuidada pelo marido. Doente, porém lúcida, é mulher de fé. “Fico aqui deitada, mas rezando por todos”, diz, enquanto lembra do filho Marco Antônio, que morreu durante a pandemia. A outra filha, Laura Beatriz, é jornalista.
Além de ler e cuidar da esposa, também faz parte da rotina de Lauro as lembranças.
“Na nossa colação de grau, cheguei no Restaurante Rosário com uma gravata e você elogiou, lembra?”, diz Jorge Alves de Lima ao amigo, ambos também companheiros de PUC. “No mesmo instante, a tirei e a entreguei para você”, completa. Lauro não só lembra do momento, como ainda tem a gravata guardada.