Recordista de vitórias e pole positions na história da Fórmula 1, o heptacampeão mundial Lewis Hamilton nunca escondeu a paixão pelo povo brasileiro, principalmente por seu ídolo Ayrton Senna. Além da vitória memorável em Interlagos em 2021 e das imagens espetaculares carregando a bandeira do Brasil na pista em São Paulo, o piloto tem relação próxima com o nosso País por conta do campineiro Raí Caldato, que desde 2017 é responsável pelo design dos capacetes do inglês.
Nascido em Campinas, no dia 21 de janeiro de 1976, Raí tem 45 anos, mora na cidade e desde a infância gosta de desenhar. Ainda quando criança, tinha como hobby assistir corridas de Fórmula 1 pela televisão. Logo depois das provas, reproduzia no papel os carros de corrida que mais adorava. “Surgiu meio que do nada a paixão por automobilismo. Meu avô materno morava em Fortaleza e ele gostava de Fórmula 1, mas a gente se via pouco. Meu pai deixava a TV ligada no domingo de manhã e em 1981 as corridas começaram a chamar minha atenção, no ano do primeiro título mundial do Nelson Piquet”, relembra.
“O amor pelo automobilismo foi crescendo com a chegada do Ayrton Senna na Fórmula 1 e o que fisgou de vez a paixão foi quando fui pela primeira vez em Interlagos, em 1990, aos 14 anos. Durante alguns anos a Fórmula 1 correu em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e em 1990 ela voltou para Interlagos quando o autódromo foi reformado. Aí um tio meu de Fortaleza que gostava, veio para assistir à corrida e acabou me levando junto”, destaca.
Esse foi o dia que mudou a vida do campineiro.
“Até então estava divido entre os aviões e os carros de corrida, mas quando vi o Ayrton de perto, aquele som maravilhoso dos carros da época, a velocidade e o cheiro, todo aquele ambiente me fisgou. Naquele momento eu pensei, mesmo com 14 anos de idade, que um dia queria estar envolvido com isso de alguma maneira. Passar a arquibancada, o alambrado e ficar do outro lado para fazer parte da Fórmula 1”.
Os anos passaram, o sonho não mudou e quando chegou o momento de entrar na faculdade, o campineiro decidiu cursar design gráfico na FAAP, em São Paulo. Formado no final de 1998, o artista voltou para Campinas e começou a trabalhar com publicidade. Após encontrar dificuldades no início da carreira e fechar as portas de duas agências por conta de problemas financeiros, Raí estava decidido a trocar de profissão, até que tudo mudou rapidamente e surgiu a oportunidade de prestar homenagem ao seu ídolo Ayrton Senna e também trabalhar diretamente com a Fórmula 1.
“Cheguei a desistir da carreira de designer em 2010 e estava estudando para prestar concurso público porque minha esposa estava grávida. Só que um pouquinho depois de tomar essa decisão, apareceu um concurso para desenhar o capacete em homenagem aos 50 anos que o Ayrton Senna faria em 2010. A homenagem seria feita pelo Bruno Senna, sobrinho dele que estava entrando na Fórmula 1 e utilizaria o capacete”, explica.
Raí venceu o concurso. Foi reconhecido e elogiado pelo júri que tinha consagrado Sid Mosca, responsável pelo design dos capacetes de Ayrton quando o brasileiro brilhava na Fórmula 1. Além disso, o campineiro conheceu Alan Mosca, filho de Sid e também designer. Esse momento foi o primeiro passo para uma parceria que seria concretizada dois anos depois e está próxima de completar uma década.
“Estava completamente desiludido profissionalmente e de repente apareceu essa oportunidade. Se tornava realidade o sonho que eu havia deixado adormecido. O Ayrton foi o meu grande herói, ele participou de um momento muito especial da minha vida que foi a infância, momento que a gente tem muitos sonhos e depois vamos ficando mais com os pés no chão conforme vamos crescendo e o tempo vai passando”, relembra.
“O Sid Mosca eu acabei não conhecendo tanto pois ele já estava doente e infelizmente faleceu em 2011, mas depois de um tempo acabei ficando mais próximo do Alan Mosca. Falei com o Alan na época do concurso, conversávamos sobre as cores e as informações da pintura. Quando o capacete ficou pronto, fomos para o autódromo no GP Brasil e aí a gente foi recebido pelo Bruno Senna, Bianca Senna (irmã de Bruno e sobrinha de Ayrton) e também conheci a Viviane Senna (irmã do Ayrton). Foi a primeira vez que tive contato com a família e deram de presente para mim um capacete com a minha pintura”, revela emocionado.
No começo de 2012, teve um concurso de pintura de aeronave, de simulador, também vencido por Raí. “Aí o Alan ficou encantado (com a pintura) e fez o convite para trabalharmos juntos. Fui às lágrimas naquele momento pois estava realizando meu sonho de infância. Quando eu escolhi a faculdade, direcionei a minha vida e era esse momento que eu estava esperando. Foi maravilhoso concretizar essa parceria e no ano que vem já vai fazer dez anos que trabalhamos juntos”, comemora Raí.
Talento chega a Lewis Hamilton
Pelo fato de ser apaixonado por automobilismo, Raí acompanha de perto toda a carreira de Lewis Hamilton na Fórmula 1, desde 2007, e sempre teve carinho especial pelo inglês, por ele ser fã declarado de Ayrton Senna.
Em janeiro de 2017, Hamilton lançou pela internet um concurso para que fãs do mundo inteiro pudessem criar o design dos capacetes que seriam utilizados durante aquele ano. O campineiro participou, superou cerca de oito mil designers e venceu a disputa, sendo escolhido pelo próprio piloto da Mercedes.
“Foi um concurso aberto no Instagram, que bastava eu postar meus desenhos de capacete, marcar o perfil oficial do Lewis e colocar a #LH44Design que já estava participando. Graças a Deus ele escolheu meu desenho e era um desenho que trazia homenagem para o Ayrton. O Lewis vinha utilizando as cores vermelho e branco (no capacete), propus uma volta ao fundo amarelo (do primeiro título mundial, em 2008), e aí pensei em juntar o fã e o ídolo, já que o Lewis é fã do Senna e o Senna é o ídolo dele”, pontua Raí
“O Lewis era tricampeão no início de 2017, iria lutar pelo tetra, e o Ayrton morreu lutando pelo tetra. Na lateral do capacete, coloquei três asinhas, verde, amarela e azul, fazendo uma referência ao Ayrton, e as três estrelas do tricampeonato eu coloquei dentro dessas faixas verde, amarela e azul. Ficou como se fosse uma intersecção do fã e do ídolo lutando juntos pelo tetra. Acho que ele (Hamilton) percebeu esse lado emocional e acabou escolhendo. Foi uma honra muito grande, fiz com muito carinho e dedicação, mas eu não esperava ser o escolhido. Um concurso desse a gente nunca imagina que vai vencer”, valoriza.
No final de 2017, Raí conheceu Lewis no GP do Brasil, em Interlagos, e ganhou de presente do campeão o capacete que ele havia desenhado no início daquele ano. No momento da despedida, o campineiro comentou com Hamilton que tinha vontade de continuar desenhando seus capacetes e mais uma vez o sonho foi realizado.
“A gente estava se despedindo e eu falei que se ele quisesse, continuaria desenhando os capacetes dele para o resto da vida. Meio que me ofereci e ele agradeceu muito. Aí em janeiro de 2018 a assessoria dele entrou em contato comigo novamente e desde então eu faço todos os capacetes, salvo algumas exceções, como esse ano no GP da Inglaterra, que um artista local fez o desenho”, ressalta.
Durante as temporadas da Fórmula 1, Raí trabalha no Brasil e o contato com Hamilton em grande parte do ano é feito via assessoria. Na corrida no Brasil, os dois se encontram e conversam sobre as ideias de capacete para o ano seguinte, porém o encontro presencial não ocorreu em 2020 e 2021 por conta da pandemia da Covid-19.
Trabalho
Os capacetes são desenhados e projetados por Raí pelo computador e enviados para Hamilton aprovar a arte. Após a aprovação do campeão, o campineiro encaminha o design para a Bell, empresa norte-americana que produz os capacetes e adiciona no equipamento de segurança a arte produzida pelo campineiro.
“O Lewis é sempre muito simpático e faz questão de agradecer pessoalmente os desenhos quando nos encontramos no Brasil. Ele me deu outro capacete de presente em 2019 quando eu não estava nem esperando falar com ele, mas ele fez uma surpresa e apareceu com um capacete assinado”, relembra.
“Para tocar o trabalho, temos um grupo com os assessores do Lewis e um representante da Bell. Aí temos um outro grupo com essas mesmas pessoas e o Lewis está nele. Tem um grupo com o Lewis e o outro sem o Lewis. Respeito muito e procuro ser o mais profissional possível. Normalmente, o Lewis se manifesta mais no começo do ano e as outras versões de capacete durante a temporada, vamos combinando tudo diretamente com a assessoria para manter ele focado nas corridas”, detalha o designer.
Capacetes históricos
Neste ano, Raí pintou capacetes que ganharam destaque, como o que foi utilizado por Hamilton em homenagem a Ayrton Senna, no GP de São Paulo, no final de semana que o piloto inglês recebeu duas punições e venceu a corrida principal. Na corrida sprint, no sábado, largou na última colocação e chegou em 5º lugar após fazer 15 ultrapassagens em 24 voltas. No domingo, saiu da décima posição e venceu a prova em uma atuação considerada por especialistas como uma das principais ou a principal da sua carreira.
“É difícil escolher um capacete favorito, é como se perguntasse qual filho eu gosto mais. Eu gosto muito do capacete de 2017, o primeiro, e eu gosto muito de quando o capacete ficou roxo. Adoro o branco e roxo do começo do ano passado antes da pandemia, que ele chegou a apresentar nos testes de pré-temporada. Ele usou nos testes de inverno, na apresentação do carro W11. Depois o preto e roxo ficou bonito também” destaca.
“Gosto muito do capacete roxo mais claro desse ano também, está com a pintura fosca. Esse do Brasil que tem o Ayrton novamente é mais um dos favoritos e ainda teve o final de semana incrível com ele vencendo e pegando a bandeira do Brasil (ainda na pista depois da vitória)”, completa o campineiro que foi a Interlagos assistir a Fórmula 1 no Brasil todos os anos entre 1990 e 2019.
Outro capacete desenhado por Raí que ficou conhecido em 2021 foi o usado por Hamilton no GP do Catar, no último final de semana. Conhecido por defender causas sociais, o inglês decidiu entrar na pista com as cores do arco-íris em alusão à bandeira LGBTQIA+, em um protesto às leis homofóbicas do governo local. No país do Oriente Médio, relações homossexuais são proibidas e consideradas crime. Constantemente, o Catar é criticado por violações dos direitos humanos.
“Foi até bom eu não ter ido para o GP Brasil neste ano. Eu estava sexta-feira, 12 de novembro, em casa à noite, meu celular estava carregando, aí fui pegar o celular para ir dormir e tinha um pedido da assessoria do Lewis, se possível, para fazer o capacete com a bandeira LGBTQIA+ para o GP do Catar que era na semana seguinte, dias 19, 20 e 21 de novembro. Eu tinha menos de uma semana para fazer isso pois precisava desenhar e pintar até a quinta-feira, dia 18 de novembro”, conta.
“Ainda bem que eu estava em casa, trabalho em casa mesmo, e graças a Deus deu certo. Entreguei o design faltando alguns minutos para a largada do GP de São Paulo, eu estava até meio tenso com medo de perder a corrida. A Bell tem sede na Bélgica e no Bahrein, no Oriente Médio. A sorte foi que o Bahrein fica perto do Catar e o capacete foi pintado lá após eu enviar todo o design. Mandei o desenho faltando 10 minutos para a largada aqui no Brasil, para o Lewis aprovar, já encaminhei para o pessoal da Bell e o milagre aconteceu. Na sexta-feira (seguinte) o capacete estava pronto”, comemora.
Raí valoriza a atitude de Lewis de lutar e defender causas sociais até em países acusados por violarem os direitos humanos. Ele destaca que é uma honra participar de alguma forma desses momentos produzindo os desenhos encomendados pelo heptacampeão mundial de Fórmula 1. A tendência é que Hamilton utilize esse mesmo capacete nas duas últimas corridas, nos GPs da Arábia Saudita e de Abu Dhabi, quando o título mundial será decidido. No momento, o piloto inglês ocupa a segunda posição no campeonato deste ano, com 343.5 pontos, oito pontos atrás do holandês Max Verstappen, que tem 351,5 pontos.
“Com certeza é mais especial (pintar capacetes como esse). O mérito é todo do Lewis e a gente dá vazão a uma iniciativa que é dele. Imagina a coragem dele de fazer isso nesses países? A próxima etapa é na Arábia Saudita, lá homossexualidade é crime. Admiro muito pela coragem dele e eu me sinto honrado de participar com ele nessas causas”, ressalta.
“O cara não precisava se envolver com isso, está com a vida ganha, com a vida feita, e ele faz questão de dar a cara a tapa. É uma honra de alguma maneira estar junto nessas iniciativas. Ele transcendeu o esporte, saiu da pista, isso vai ficar para a história e talvez as pessoas vão compreender mais daqui alguns anos. O que ele faz hoje é grandioso. Poder estar junto é uma honra muito grande e eu não tenho nem palavras para descrever. Faz sentido que ele termine a temporada com esse capacete, teria um significado enorme ser campeão do mundo com um capacete desse. Em todas as fotos um octacampeão mundial aparecendo com o capacete assim, a mensagem fica para sempre mesmo”, completa Raí.
Parceria com outros brasileiros
Além de pintar capacetes para Lewis Hamilton e Bruno Senna, Raí também foi o responsável pelo design do equipamento de segurança utilizado por Pietro Fittipaldi nas duas corridas que o piloto brasileiro substituiu o francês Romain Grosjean, na Haas, no final do ano passado. Na Fórmula 2, principal categoria de acesso para a Fórmula 1, o campineiro também pintou os capacetes de Sérgio Sette Câmara e atualmente é o responsável pelos desenhos de Enzo Fittipaldi, que corre na F2 e é irmão de Pietro.
“O pai deles (Pietro e Enzo), o Gugu da Cruz, é uma pessoa muito querida e eu pintei o capacete do Pietro Fittipaldi no final do ano passado depois do acidente do Grosjean. Graças a Deus não teve nada mais sério com o Grosjean e eu tive a alegria de nas duas últimas corridas do ano passado, ter dois capacetes no grid da Fórmula 1 (Hamilton e Pietro Fittipaldi). Com o Pietro e o Gugu eu falo direto sobre os desenhos e quando eles têm um resultado bacana eu mando mensagem. Eles são bem acessíveis e sempre encontrava eles em São Paulo antes da pandemia. No ano passado, o capacete do Pietro combinou certinho com as cores do carro da Haas na Fórmula 1”, relembra.
“Também faço os desenhos do capacete do Enzo Fittipaldi na Fórmula 2. Eu cheguei a fazer o capacete do Sérgio Sette Câmara quando ele foi piloto reserva da Red Bull e da Alpha Tauri na Fórmula 1, mas ele não chegou a correr e nem a participar de treinos livres. Na Fórmula 2, em 2019, eu também pintava do Sérgio Sette Câmara. Nessa época ele estava ligado ao grupo McLaren e depois foi para o grupo Red Bull”, finaliza.