A pandemia de Covid-19 foi uma catástrofe generalizada, mas em particular para a população idosa. Cerca de 70% dos óbitos registrados foram entre as pessoas de 60 anos ou mais. Outro impacto devastador da mais grave crise sanitária em um século foi a redução da expectativa de vida, de 2 a 3 anos, de acordo com alguns especialistas.
De qualquer modo, a população idosa brasileira continua crescendo. Conforme a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, entre 2012 e 2022 a população de 60 anos ou mais cresceu de 11,3% para 15,1% da população. As mulheres têm expectativa de vida maior. Para cada 100 mulheres de 60 anos ou mais em 2022 existiam 78 homens.
As estimativas são de crescimento da população idosa brasileira em ritmo ainda acelerado nos próximos anos.
A pergunta é: qual a qualidade de vida dessa população, hoje e no futuro? Outra indagação pertinente: as políticas públicas atuais estão respondendo de forma adequada o crescimento da população idosa ou terão que ser reformuladas?
Alguns dados confirmam que a população de pessoas idosas no Brasil está entre as mais vulneráveis. Em 2020, 69% da população idosa recebia até dois salários mínimos por mês, contra 59% da população em geral, segundo a Pesquisa Idosos no Brasil, realizada pelo Serviço Social do Comércio (SESC) e Fundação Perseu Abramo. Esses números talvez tenham piorado em função da pandemia.
Como se sabe, os planos de saúde são muito mais caros para as pessoas idosas. Com isso, mais de 80% delas dependem no Brasil do Sistema Único de Saúde (SUS) que, como também é sabido, sofre há décadas de subfinanciamento. Sempre existe alguma medida governamental retirando dinheiro da saúde para ir a outra conta pública, geralmente para pagamento de dívidas. Continuará assim no atual governo?
O certo é que a população idosa continua sofrendo de várias formas de violência e o chamado etarismo, o preconceito contra a população de 60 ou mais, é apenas uma delas. Eu prefiro dizer idosofobia mesmo.
Para boa parte da população, idoso é sinônimo de problema, de degradação, mesmo sabendo-se que grande parcela dessa mesma população vive, ou sobrevive, com as economias dos pais e avós.
Outro caso de etarismo: quando se fala de questões ligadas à sustentabilidade, a população idosa raramente é citada. Raramente é lembrado que essa população está entre as mais vulneráveis, por exemplo, às mudanças climáticas em curso e em franco aprofundamento.
As próprias Conferências do Clima (COPs), realizadas anualmente há mais de duas décadas, excluem a discussão sobre os efeitos nas pessoas idosas.
Foi assim na última COP, a de número 27, no Egito, em novembro de 2022. Foram dezenas de eventos oficiais ou paralelos, nenhum deles se referindo à relação entre mudanças climáticas e pessoas idosas.
A COP 30, que acontecerá no Brasil, em 2025, bem que poderia ser diferente. Com a programação incluindo claramente a preocupação com o futuro da população idosa, em face de eventos climáticos cada vez mais extremos.
Os primeiros passos do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva foram promissores em algumas áreas do desenvolvimento sustentável, como na proteção da Amazônia e das populações indígenas, sem falar no combate à fome, prioridade número um quando se fala de sustentabilidade.
Entretanto, há reticências no caso dos direitos da população idosa. Existia uma forte expectativa, por exemplo, no caso da recondução do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, como ocorreu com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA).
Todos os conselheiros e conselheiras do CONSEA, que haviam sido destituídos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro com a extinção do Conselho em 2019, foram reempossados pelo presidente Lula em fevereiro, poucos dias depois do início do seu mandato. Foi um claro e justo reconhecimento ao Conselho que ajudou a tirar o Brasil do Mapa da Fome. Agora que, depois da pandemia e do último governo, o país voltou ao Mapa da Fome, nada mais esperado que o CONSEA seja retomado como antes.
O mesmo não aconteceu, porém, com o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI) e por isso o governo Lula não deixou de receber críticas. O processo de recomposição do Conselho Nacional contemplou a ampliação de 14 para 18 o número de entidades da sociedade civil representadas. A posse do novo CNDPI, para o período 2023-2025, será no dia 22 de agosto, e essa demora em relação a outros Conselhos também foi objeto de críticas.
O fato é que, em função do etarismo e outros fatores, a população idosa, apesar de numericamente crescente, não alcançou ainda um estágio de mobilização, organização e correspondente força política como outros grupos populacionais.
Esse processo é fundamental, para que o Brasil tenha políticas públicas efetivas, para garantir os direitos humanos das pessoas idosas.
Um passo relevante nesse sentido será a ratificação pelo país da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas. O Brasil assinou a Convenção em 2015 mas somente em 2017 o processo de tramitação no Congresso Nacional foi iniciado, sendo paralisado em 2018. Agora, cinco anos depois, um Projeto de Decreto Legislativo, de número 863/2017, voltou à Ordem do Dia da Câmara dos Deputados.
A ratificação será um passo grande na defesa dos direitos das pessoas idosas no país. Um passo bem significativo para a construção de fato de um desenvolvimento sustentável, que não pode existir sem a proteção das pessoas idosas. A almejada longevidade precisa ser saudável em todos os sentidos.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]