Resultado de exames alterados. O histórico de um monte de doença na família pesando contra. Toda camisa que eu colocava, o botão parecia que ia estourar. Sem contar as que não entravam. Espelho era algo que eu evitava, porque, não gostava de quem eu via. Subi na balança, e o visor mostrava 106 Kg, o maior peso da minha vida. E eu estava há 1 mês de fazer só 28 anos.
Este era o meu cenário há pouco mais de 1 ano atrás: eu havia me tornado alguém totalmente diferente do que eu entendia que era quem eu gostaria de ser. E, pior, foi constatar que aquilo era resultado de muitas escolhas inconscientes que eu havia feito que me levaram aos excessos: de comida, de bebida e de me jogar no sofá a cada tempo livre dos compromissos profissionais ou de estudos.
Percebi que precisava dar um cavalo de pau. Olhar de novo para mim e para o que eu considerava importante na minha vida. Percebi que estava dando um grau de importância gigante para várias áreas, incluindo o desenvolvimento intelectual, mas estava negligenciando o individuo humano que carregava tudo isso. Que precisava retomar uma pergunta importante, que eu não fazia há tempos que era: O que eu significo para mim?
Colocar-me em pauta com esse foco me rendeu boas conversas em casa, com amigos, na terapia e com alguns mentores e, me gerou a dissonância cognitiva necessária para fazer a chave virar e colocar objetivos para me reconectar com o meu amor-próprio e o amor ao meu corpo. Foram camadas e camadas que precisaram ser transpassadas ao pensar em mim, conversar comigo, olhar para mim e que me levaram a sair do “Eu sei que preciso fazer” para o “Vou fazer”.
E o “vou fazer” mirou em um objetivo macro: quero me sentir saudável, voltar a me olhar no espelho com amorosidade e chegar aos 30 melhor do que eu estava aos 25 anos!
Legal, e, por onde começo? Vou começar pelo que eu já sei: eu me empolgo em aprender coisas novas, em estar socialmente conectado com outras pessoas e para que eu me comprometa, eu preciso ter um agenda fixa que caiba na minha rotina.
E em uma dessas conversas com a Natália (minha esposa), ela me disse: “acho que você ia gostar de aprender a nadar”. Aquilo ressoou dentro de mim. E ressoou alto!
Lembrei que sempre gostei de piscina, apesar de nunca ter aprendido nadar. Achava sensacional amigos que iam nadar em cachoeiras, lagoas ou nadavam no mar. Me lembrei do quanto o mar me fazia bem e me reenergizava. Me dei conta de que, se eu aprendesse a nadar, eu poderia viver isso tudo com mais tranquilidade – pular em uma piscina que não dava pé, ir ao mar com mais segurança, quem sabe um dia fazer mergulho, fazer aulas de surf… E fui viajando, viajando nos pensamentos.
Decidi testar. E daí pra frente, a vida me trouxe um mar de aprendizados que têm transformado a minha vida e que vou me permitir tentar traduzir aqui:
1) Para uma transformação acontecer, você vai precisar tomar decisões que vão te desacomodar
Comecei olhando para o fator tempo e dinheiro. Os dois principais motivos que a gente tem para não cuidar da saúde.
A parte do dinheiro, era o primeiro grande limitador. Aula de natação não é baratinho – pelo menos não para a minha realidade até então.
Não adianta querer ter um corpo organizado se você não está conseguindo colocar o pão de cada dia e o básico em casa. Felizmente, isso estava resolvido na minha realidade financeira, logo, precisei sentar e analisar quais os “nãos” seriam necessários no meu atual estilo de vida para que este cuidado passasse a ser um investimento, uma prioridade e não um custo variável. Delivery, barzinhos, restaurantes, compras… foi tudo para planilha, repensado e reorganizado.
Com uma estratégia definida para o dinheiro caber, vamos ao tempo.
Na rotina que eu tenho hoje, o melhor horário que eu teria para aprender a nadar era às 6h da manhã. Por quê? Porque é antes do horário de trabalho, seria um dos primeiros compromissos do dia, o que diminui o risco de não ir por cansaço e conseguiria conciliar com os compromissos pessoais com a família que acontecem a noite, sem prejudicar em muito a hora de ir dormir. Aqui em casa, dormimos cedo, porque durante a semana acordamos as 4h35 da manhã para que a Natália consiga pegar o fretado para ir trabalhar em outra cidade.
Ir treinar este horário, naquela fase da minha vida, era coisa de doido, mas era o que tinha.
Ao buscar uma academia e conseguir me matricular, soube que esta envolveria uma série de condições. A primeira era eu estar consciente de que aquele horário não era o adequado para a minha turma – o correto, seria eu estar em uma turma de iniciantes, mas, às 6h, na maioria das academias é o horário de “treinamento”, formado em grande parte por gente que já nada, muitas vezes compete e que estava buscando melhora de performance.
Eu, que sou uma pessoa que gosto de performance, sabia que não seria um dos melhores ali e ia precisar lidar com isso, mentalmente, para resolver o fator tempo.
Não eram as condições ideais. No fim das contas, dificilmente em um processo de transformações, está tudo soprando ao favor. Mas, quando o seu motivo é forte o bastante, nos comprometemos a vivenciar os “como” com mais coragem e constância.
2) Para aprender a primeira coisa que você precisa é desaprender
Serve para nadar e para qualquer outra coisa da vida. Me lembro como se fosse hoje do primeiro dia. O meu professor, Matheus Bertazzoli, pediu para que eu nadasse do jeito que soubesse para que ele pudesse avaliar. O objetivo dado era fazer “só” 100 metros. E fui: sai, batendo os braços e pernas desengonçadamente, com a cara para a fora e, como resultado, não cheguei na metade dos 25 e parei. Parei porque tinha engolido água e tossia. Ofegante, respirei uns minutos e fiz mais dois tiros para atravessar os 25 metros de volta e chegar aonde o professor estava. Com um sorriso, após ver me matando para nadar 50 metros, ele me disse: “É, vamos ter que dar 10 passos para trás, Jonas!”
Essa frase foi um misto de choque de realidade com desafio para mim. E naquele momento me comprometi que faria todos os passos que seriam necessários para que aquilo funcionasse.
E, acreditem: o que eu tive que aprender na primeira aula foi respirar. O básico, que eu faço todo o segundo no meu dia a dia, mas, que para nadar é diferente. Depois, foi sentir o meu corpo em contato com a água, caminhando e respirando do jeito novo. Nesta etapa, precisei a reaprender a prestar ainda mais atenção em mim.
Fui entendendo, comigo e na convivência com as pessoas que eu fui conhecendo – e que, em sua maioria, me receberam muito bem, mesmo não sendo daquele horário – que, caiu na água, não importa o seu cargo, carro que você dirige, a casa que você mora, cor, sexualidade, posição política ou religião: todos somos aprendizes iguais e que precisamos deixar certezas para trás, se quisermos realmente aprender algo novo.
Reaprender a estudar, reaprender a ouvir, reaprender a seguir orientações em um ambiente novo e desconhecido. Reaprender a me reorganizar com a canseira do meu corpo, pós um dia de atividade física e o que ele precisava para se sentir nutrido e saudável para dar conta do restante do recado das 7h em diante.
Reaprender que não tem problema ficar em trajes de piscina quando seu corpo não te agrada e a encontrar paz e segurança interna para isso. Reaprender que as coisas que disseram sobre a beleza do homem negro não eram verdades. Que as ofensas ao cabelo, a minha aparência ou a cor da minha pele não retratavam o que eu realmente era.
Reaprender que, apesar de histórias ouvidas e comentários, corpos negros podem sim nadar.
Desaprender um monte de narrativas que foram compondo a minha percepção de quem eu era e abondana-las para incluir um monte de novos pensamentos e percepções que conversavam mais comigo foi um processo diário que sigo cuidando, nos espaços de conversas qualificadas que tenho, seja por meio de terapia ou das trocas com pessoas que admiro/amo.
3) O dia a dia, feito com constância é o que gera resultado
Engoli muita água, de segunda a sexta-feira, fizesse sol ou chuva, com frio ou calor. A decisão de estar todos os dias ali era a minha grande meta do dia. Era o jeito de começar o dia ganhando – de mim mesmo e dos motivos que poderia ter para não fazer.
No processo, além dos primeiros passos descritos acima da primeira aula, foram vindo vários outros. Fui aprendendo a colocar os óculos de natação, a touca, conhecer todos os acessórios, terminologias, ritmos e tipos de nado. A dar uma braçada, uma pernada, nadar com a cara para dentro da água e até a abrir os olhos enquanto esboçava uma tentativa organizada de nado.
No começo, o que eu mais ouvia era: “relaxa o ombro e as costas”. E comecei a notar o quanto ficava tenso nessas regiões no dia a dia, na ânsia de não errar e em diversos contextos.
Logo, as mudanças foram sendo levadas para o dia a dia, fora da água. Estas me convidavam a seguir atento, seja quando estava com a cara dentro ou fora da água.
Eu me lembro que, quando comecei a conseguir me deslocar nadando, tinha um objetivo de conseguir fazer uma ida e uma volta (50 metros) sem parar. Com a constância e dedicação ao processo mental e mecânico, atingi esse objetivo 3 semanas após o primeiro dia. E fiz isso 8 vezes seguidas.
E nesse dia entendi que, por mais que eu quisesse acelerar os resultados, toda vez que eu ficava ansioso, me desconcentrava e não conseguia chegar no objetivo. Logo, isso mais me atrapalhava, do que me ajudava.
Quando o contrário acontecia e eu me concentrava exclusivamente na jornada, no processo, e ia fazendo isto continuamente, o resultado acontecia de forma natural.
E, se pensarmos um pouquinho: o que é o resultado se não a soma de fatores, não é? Não dá para pular etapas. Precisamos ir dominando os fatores, aprender a combiná-los, ganhar capacidade e competências, aumentar a complexidade e tudo isso, é o que nos faz chegar ao resultado. Essa é uma lógica que se repete na vida.
4) Olhe para o lado com inspiração, não com competição
Como eu disse, eu sempre treinei em um horário que “não era o meu”. No meu dia a dia, conheci pessoas que nadavam desde a infância ou no mínimo, há uns anos. Vários que já tinham participado de campeonatos pelo mundo a fora, atletas federados, que já tinham ganhado competições amadoras em piscinas e no mar.
Me lembro de um dia que me dei conta de que, enquanto eu estava tentando acertar 25 metros, tinha gente se treinando para nadar 25km. Sim, quilômetros, senhoras e senhores – o que era um negócio absurdo na minha mente naquele momento!
Num certo nível, o meu ego se sentia provocado a querer nadar igual ou melhor a quem era mais velho (a), quem parecia fisicamente mais fraco(a), quem por qualquer pré-conceito meu eu julgasse que dava para ser melhor. Afinal, a vida num certo nível nos estimula que isso é uma demonstração de valor, não é mesmo?!
O resultado disso, na prática? Tomei, obviamente, um baile aquático de todo mundo. E sabe qual foi o melhor? Eu perceber que ninguém estava nem pensando em mim, exceto para me estimular/ensinar a nadar.
Recebi conselhos, dicas, apoios de muitos. Com menos de 1 mês me sentia integrado e parte do Bonde da Madruga, como denominamos as pessoas deste time que caem na água às seis da matina.
Percebi que a competição, para variar, estava na minha cabeça e no excesso de cobrança que eu estava colocando em mim naquele momento – e que, novamente, se reproduzia em muitas áreas da minha vida. Cada mergulho e espiada para o lado, ao ver as pessoas mergulhando e me passando várias vezes, passaram a ser convites de autoconhecimento e de conversas comigo mesmo. Aliás, diga-se de passagem, o quanto eu conversei comigo neste último anos com a cara dentro da água, olhando o fundo da piscina.
Passei a me reconectar com conceitos básicos da minha vida, como o olhar para as pessoas que estão ao meu redor como fontes de inspiração e não mais com aquele olhar de competição. De notar aquele ambiente como um espaço de aprendizagem e não como uma arena ou o local de exibicionismo de egos e resultados.
Foi a melhor coisa que fiz. Foi uma das coisas que me ajudaram a aprender a nadar melhor e fortalecer o vínculo social com outras tantas pessoas incríveis e que, cada uma pelo seu motivo, escolhia se reunir e trocar energias, apoio e uma boa zueira logo cedo, dentro e fora da água.
Sem dúvidas, só me reforçou que quando estamos mirando o outro, nos desconectamos de nós mesmos. O mirar o outro, quando e se acontecer, precisa ser com um olhar de inspiração para refletir sobre as coisas que você quer ou não quer fazer e isso vai, diariamente, retroalimentando o ser que queremos ser.
Bom, daí pra frente, sempre atento a ficar com cabeça no lugar e a ir aprendendo com o dia a dia, foi só história. E muitas histórias das boas – que quem sabe eu amplio mais em outros textos. Mas, o fato é que comecei a ver a minha saúde dar sinais de evolução e de que meus objetivos estavam sendo atingidos.
A balança começou a diminuir os dígitos. Fiz 500 metros nadando direto pela primeira vez na piscina. Depois 1000 metros.
E depois fiz a minha primeira travessia no mar. Sabe, aquele mar que eu sempre amei e tinha medo de ir? Pois é! Eu fui, entrei e não dava pé. E nadei. Nadei em uma prova com mais um monte de gente. E cheguei até o fim, vivo (ufa!). E me apaixonei ainda mais pelo mar, decidindo que seguiria treinando para viver aquela emoção outras vezes, em lugares diferentes.
Depois nadei 50 vezes os 50 metros em um mesmo dia. Meus primeiros 5Km em piscina, em uma manhã linda de sexta-feira. E, sabe o que é mais louco de pensar agora? Só tinham se passado 3 meses que eu tinha decidido colocar mais atenção em mim e tudo isso já tinha acontecido na minha vida.
E, por isso tudo, eu também retomei uma paixão antiga que foi a corrida de rua e comecei a fazer um acompanhamento nutricional para olhar para a minha relação com a comida. Janeiro comecei a alternar os meus treinos de natação com a tal da musculação. Sendo bem sincero, eu nunca fui tão fã assim, mas percebi que pelo objetivo maior era o que precisava ser feito. E fiz. E faço!
E veio prova de 1km no mar em fevereiro. Refiz meus exames e os resultados de todos foram excelentes, segundo o cardiologista. Já eram indicadores de sucesso e de que o plano vinha bem.
Depois veio outra prova, desta vez de 1,5 Km e essa até ganhei troféu, ficando em 2º lugar da minha categoria. Eu nem acreditava. Vibrei de orgulho, usando uma camisa já de tamanho menor do que eu usava antes e me sentindo diariamente mais feliz e saudável.
E nessa brincadeira, chegamos em Setembro de 2022. Nadei pela primeira vez em uma represa semana passada e fiz a maior distância que já fiz em águas abertas. Fiz duas provas de corrida: uma de 10km, com o melhor tempo da minha vida e uma outra que sai campeão, que misturava corrida com doses de chopp no meio do caminho.
Estou com 16 Kg a menos na balança. Sai de 25 para 13% de percentual de gordura. Sensação de folego para correr, nadar, com mais animo para trabalhar e ir atrás dos meus objetivos profissionais e pessoais, podendo viver constantemente momentos bons com as pessoas que eu amo.
Vale aqui, uma ressalva importante: nem de longe, quero ficar estimulando os padrões estéticos que vemos por aí nos feeds do Instagram e nas publicidades. A ideia aqui é que você encontre, por meios distintos, formas de se amar. Afinal, só a educação e o amor salvam!
E vivi um processo que conectou ambos. Tenho me olhando diariamente no espelho e enxergado amorosidade, pois tenho visto e cultivado a sensação de que, ao olhar para mim com compromisso e ter objetivos claros, isso pode seguir me levando para caminhos que eu jamais imaginaria anteriormente.
O meu convite com este compartilhar é para que você também olhe para você e se pergunte: o que você significa para você mesmo? Como você tem se tratado e tratado o seu corpo?
O fato, meus amigos e amigas, é que: mergulhei em uma piscina e acabei transbordando em mim! Nos meus pensamentos, nas coisas que ainda carrego e que fico tentando fingir que não existem, mas que, percebi que acolher o que não gosto, também é uma forma de me desenvolver, porque, eu sou isso tudo. E reconhecer, é o primeiro passo para transformar.
Que você possa, quem sabe, se inspirar e transformar as coisas que não estejam te permitindo estar conectado consigo mesmo. Por aqui, seguirei de braçada nas águas e nos meus aprendizados.
PS: este texto é também um agradecimento a todos que me acompanharam nessas minhas neuras e aprendizados neste um ano. Eu sou, porque nós somos! Obrigado, obrigado e obrigado.
Jonas Santos, de 28 anos, mora em Campinas desde os 7 anos e acredita que por meio da educação pode melhorar o mundo dele e dos outros