Se “metaverso” não é o tema do momento, certamente é um dos principais. Talvez por conta do boom digital proporcionado pelo isolamento social, talvez pelo movimento de grandes empresas de tecnologia neste ambiente, o fato é que, em determinado momento, muitas pessoas começaram a realmente vislumbrar os ambientes imersivos virtuais como os espaços em que ocorrerão cada vez mais interações sociais. Expandir os horizontes de convivência e permitir uma interação completamente digital são as propostas centrais de tecnologias baseadas em metaverso; para além disso, trazem consigo novas oportunidades de empregos, negócios e entretenimento. Para o Direito, esse novo mundo (literalmente) é cheio de desafios, mas, ao mesmo tempo, repleto de oportunidades.
Afinal, o que é o metaverso? A pergunta não é trivial e a resposta, por sua vez, é pouco palpável. De forma (muito) resumida, o metaverso é um ambiente virtual, global e imersivo, onde as pessoas podem interagir, por meio de seus avatares, com outros indivíduos e praticar atividades que normalmente realizariam no mundo físico – como reuniões, compras e até tomar drinks em bares. Nesse espaço, as pessoas (ou seus avatares) podem comprar terrenos, construir casas e posteriormente lucrar com a venda desses ativos. Esses ambientes podem ser oferecidos por uma ou mais empresas – ou, em seu sentido original, ser baseados em tecnologias descentralizadas e sem gestão própria (as famosas DAOs ou, em português, Organizações Autônomas Descentralizadas).
Como o termo diz respeito ao tipo de tecnologia que dá vida a esses ambientes virtuais, é possível dizer que temos hoje diversos “metaversos” à disposição de usuários: cada espaço tecnológico, seja ele oferecido por uma empresa ou uma DAO, pode ser considerado um “metaverso” em que pessoas podem se conectar.
Apesar de não haver muita certeza sobre o futuro desse ambiente – de forma similar ao que ocorreu com a internet nos anos 1970 –, é um fato que a aplicação do Direito já é necessária nesse espaço; algumas situações já são até realidade: já foram identificados casos de pirataria digital, fraudes e outras condutas ilícitas em ambientes baseados em metaverso.
O mais difícil, entretanto, é delimitar como o Direito deve agir nesse espaço. No Brasil, por exemplo, foi executado o primeiro mandado de busca e apreensão no metaverso. Em ação que visava combater pirataria digital, uma incursão virtual foi realizada e, nessa ocasião, onze pessoas foram presas e 266 sites hospedados no Brasil, 53 no Reino Unido e outros seis nos Estados Unidos foram tirados do ar.
Uma grande questão que surge nesse tipo de ocasião é qual jurisdição deve atuar – nesse caso específico, houve atuação das autoridades brasileiras, entretanto, em um ambiente tão descentralizado e globalizado como o metaverso, o espaço e a facilidade para realização de ilícitos crescem. Afinal de contas, em tese, não há mais necessidade de centralização de uma base criminosa em apenas um local. No entanto, o espaço de atuação de cada jurisdição continua bastante delimitado e centralizado, por isso, definir qual país deve agir é um desafio relevante. Mas, além disso, conforme as transações, ideias e ações realizadas no metaverso ganham novas facetas e adesões, outras discussões inovadoras emergem – algumas, inclusive, bem específicas de algumas áreas do Direito.
São, por exemplo, os direitos sobre propriedade intelectual de avatares, skins e outros itens virtuais; o uso de criptoativos enquanto moeda corrente; as transações “imobiliárias” de terrenos virtuais; as relações de consumo envolvendo objetos virtuais; entre outras tantas questões legais que, ao mesmo tempo que esquentam debates entre especialistas, suscitam uma questão fundamental: seriam as leis atuais suficientes para proteção de direitos no metaverso?
Desse modo, para entender as interações entre Direito e metaverso, é necessário abordar o tema de forma multidisciplinar (ou seja, considerando as diversas áreas do Direito, como civil, consumidor, criminal, trabalhista etc.). Além disso, não necessariamente será preciso empreender uma nova regulação exclusiva para o metaverso. Ou seja, em muitos casos, mais do que novas leis, precisaremos de novas interpretações para leis já existentes.
É nesse ponto que se vê um grande valor na atuação de advogados – tanto trabalhando em casos envolvendo o metaverso quanto produzindo conteúdos que fomentem o seu debate no ambiente regulatório. Somente assim conseguiremos conferir mais proteções jurídicas ao uso dessa tecnologia e ambientes seguros e confiáveis.
Considerando as novas fronteiras do fluxo de informação, essas e outras questões tornam-se extremamente relevantes. Afinal, por trás dos avatares continuarão existindo pessoas.
Nesse sentido, é imprescindível atentar à aplicação do Direito no metaverso, além de debruçar-se sobre questões relacionadas ao tema. Diante das novas conjunturas de uma sociedade hiperconectada, a capacidade de adaptação ao metaverso é o que torna a posição do advogado cada vez mais importante, revelando, mais uma vez, um território repleto de novas possibilidades.
André Barabino, sócio na área de Resolução de Disputas de TozziniFreire Advogados
Patrícia Helena Marta Martins, sócia na área de Tecnologia & Inovação de TozziniFreire Advogados
Victor Cabral Fonseca, advogado e head do ThinkFuture, programa de inovação de TozziniFreire Advogados