A pandemia de Covid-19 aumentou a importância de uma disseminação mais rápida e eficiente da literatura acadêmica. No início da pandemia, várias editoras, como a Springer-Nature, a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) e a Elsevier, anunciaram a abertura dos seus artigos relacionados com a Covid-19. No entanto, ainda não está claro se esses documentos permanecerão de acesso gratuito para pesquisadores e para o público para sempre. Por exemplo, a Elsevier mencionou que seu Centro de Informações sobre o Novo Coronavírus estará disponível “enquanto for necessário”, sugerindo que um dia esses recursos poderão ficar bloqueados talvez atrás de um acesso pago.
A comunidade científica há muito defende o acesso livre e irrestrito à literatura acadêmica. Este movimento em direção ao acesso aberto foi formalizado através da Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste, de 2002. A ideia por trás do movimento de acesso aberto (AA) é que a ciência é um bem público que deve ser disponibilizado a todos, a fim de remover algumas das barreiras tecnológicas e financeiras à ciência e acelerar a investigação e a educação em todo o planeta.
Nos últimos 20 anos, diversas iniciativas importantes foram desenvolvidas em todo o mundo para apoiar a disseminação em acesso aberto. Estas incluem a Recomendação da Unesco sobre Ciência Aberta e o Plano S, uma iniciativa europeia que visa disponibilizar gratuitamente online artigos de investigação financiados por fundos públicos, sem embargos e com preços acessíveis e transparentes.
Usando o Web of Science , um banco de dados que indexa dados de publicação e citações de cerca de 13.000 periódicos anualmente, e o Unpaywall, um banco de dados aberto que rastreia conteúdo de acesso aberto de mais de 50.000 editores e repositórios científicos, foram coletados um conjunto de dados de 8.137.675 documentos que foram publicados entre 2015 e 2019.
Descobriu-se que mais de 40% de todas as publicações científicas indexadas na Web of Science durante esse período estavam disponíveis em acesso aberto no momento da coleta de dados, com participações variando de apenas 21% em humanidades a 50% em medicina e ciências da saúde/vida. A figura abaixo apresenta os percentuais de acesso aberto globais e por áreas de atuação bem como de grupo de pesquisas científicas classicamente distribuídas. Esta figura está apresentada em estudo publicado em 20221.
A publicação científica passou a ser, infelizmente em minha opinião, um negócio lucrativo. Desde o início dos anos 2000, mais de metade dos artigos científicos foram publicados por poucos os editores e que têm obtido lucros recordes. Participar na ciência também é caro: para ter acesso às mais recentes descobertas científicas, muitas vezes é necessário pagar taxas de assinatura de periódicos que são tão elevados que até algumas das universidades mais ricas do mundo decidiram cancelar a sua assinatura.
Os países de baixo rendimento e em desenvolvimento são particularmente vulneráveis a esta dinâmica de preços. Utilizando a classificação de países do Banco Mundial por rendimento e dados de afiliação de autores da Web of Science, analisamos a relação entre o nível de rendimento e a publicação em acesso aberto e as referências feitas a literatura de acesso aberto.
Os dados mostram que os países de rendimento baixo e médio-baixo, especialmente na África Subsaariana, tendem a publicar e utilizar literatura de acesso aberto mais do que o resto do mundo. No entanto, os países de rendimento médio-alto utilizam menos literatura de acesso aberto do que o resto do mundo, enquanto as práticas de acesso aberto variam muito nos países de rendimento elevado.
Estas conclusões mostram que os países da África Subsaariana publicam e citam literatura de acesso aberto a uma taxa mais elevada do que o resto do mundo. Ao mesmo tempo, descobrimos que o Médio Oriente e a Ásia são as áreas onde a proporção de publicações de acesso aberto e de utilização de acesso aberto é menor. Isto pode ser explicado pelo fato de a maioria dos editores conceder isenções de taxas de publicação para países de baixo rendimento, mas não ou apenas parcialmente para países de rendimento médio.
Em última análise, os estudos destacam as diferenças nacionais na aceitação do acesso aberto e nos leva a acreditar que são necessárias mais iniciativas de acesso aberto a nível institucional, nacional e internacional para apoiar a adoção mais ampla do ensino aberto.
Este é um tema muito atual e que tem nos preocupado e preocupado também grandes entidades, tentando mitigar esta situação. Certamente, vamos continuar a falar e escrever sobre isto pois a democratização da ciência é fundamental para reduzirmos o abismo do conhecimento através do mundo.
(1)- Official Blog of PLOS (Public Library of Science), Comunicação Científica de Acesso Aberto, agosto de 2022.
Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan e Diretor Científico da Associação Brasileira de hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).