Sempre que surgem debates sobre temas polêmicos e que algumas religiões, em especial a Católica, têm alguma posição clara, não tardam a surgir vozes a gritar: “o Estado é laico!”. E o fazem mesmo que os adeptos de uma posição não se valham de nenhum argumento religioso. É que mesmo assim – pensam e dizem – as convicções dessas pessoas estariam “contaminadas” pela fé.
Mas em que consiste a laicidade do Estado no Brasil?
Essa questão está tratada em alguns dispositivos da Constituição Federal. Já no artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, instituiu-se: a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, bem como a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (incisos VI).
Mas o ponto central das relações entre Igreja e Estado é tratada no artigo 19, que prevê: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
A laicidade do Estado prevê uma separação desse com as entidades religiosas, de modo que não pode o Poder Público instituir cultos ou igrejas, mantê-los economicamente, manter relações de dependência ou aliança. Ou seja, o Estado não pode interferir das entidades religiosas, mas deve assegurar a elas o seu livre funcionamento.
Mas a norma tem uma exceção: “a colaboração de interesse público”. São exemplos disso associações espíritas, evangélicas ou católicas que promovam obras de interesse social, como hospitais, creches ou escolas que, precisamente por exercerem tais atividades, podem firmar convênios com o Poder Público e receber verbas públicas.
E, nesse caso, não se pode exigir uma espécie de neutralidade dessas instituições sob o pretexto de que o Estado as subvenciona. Ora, a colaboração deve se dar nas duas linhas. Se a entidade presta um serviço público relevante, como o atendimento à saúde e à educação da população, isso justifica o ingresso de recursos públicos.
E a entidade não precisa deixar de promover e ensinar a sua fé somente porque recebe verbas públicas.
Apesar da clareza da norma, soube – estarrecido – que há casos em que o Poder Público, ao subvencionar uma entidade que efetivamente presta um serviço público, proíbe que nela haja símbolos religiosos, sob o pretexto de que o Estado é laico. Ora, isso não é colaboração e, portanto, não é isso que diz a norma constitucional! É uma subserviência da entidade religiosa que deixa de sê-lo, traindo as suas convicções, em troca de recursos públicos.
Por outro lado, há casos de indevida ingerência do Estado nas instituições religiosas que passam despercebidas. Por exemplo, no julgamento pela nossa Suprema Corte sobre a possibilidade de se proibir os cultos públicos durante a pandemia, chegou-se a utilizar como argumento que, quem quiser rezar, que reze em casa, sugerindo a desnecessidade da Missa presencial ou do culto público.
Ora, cabe sim ao Poder Judiciário decidir pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade de um Decreto Estadual, inclusive nessa matéria. Mas não lhe cabe dizer como cada pessoa deve viver e professar a sua fé.
Com efeito, cabe a cada entidade religiosa dizer aos seus fiéis que a ela aderem livremente como lhes convém viver a sua fé. E se um agente de um Poder do Estado, no caso o Judiciário, se arvora no direito de sustentar que tanto faz uma forma ou outra de manifestar a fé, está a se intrometer na religião, o que viola sim a laicidade do Estado.
Fábio Henrique Prado de Toledo, casado com a Andréa Toledo, pai de 11 filhos e avô de 2 netas. Moderador em cursos de orientação familiar do Instituto Brasileiro da Família – IBF. Especialista em Matrimônio e Educação Familiar pela Universitat Internacional de Catalunya – UIC, é Juiz de Direito em Campinas. Site: www.familiaeeducação.com.br. E-mail: [email protected]