Omesmo vento pode levar embarcações em sentidos opostos. Isso depende de como se posiciona a vela. Tempos difíceis, em que a nossa vida é permeada de dor, sofrimentos e tragédias, também podem ter consequências muito diferentes nas vidas das pessoas. Tudo depende do sentido que cada um dá à sua vida e, por consequência, como encara os acontecimentos que marcam a sua existência.
Se o que dava sentido à vida era a ansiada diversão com o grupo de amigos ao cabo de uma semana cheia de trabalho intenso, é provável que a pandemia trouxe uma angustiante espera a que tudo volte a ser como antes: um constante correr, fazer e se divertir, quiçá abafando a voz interior que, nos minutos de silêncio, insiste em gritar: quem é você? De onde vem? Para onde vai? Qual é o sentido da vida?
Se, ao contrário, olhamos para essa nossa passagem com um sentido de missão. Se está claro que estamos aqui para construir algo belo, fruto do amor, então todas as circunstâncias podem ser – e de fato são – favoráveis para a edificação desse mundo melhor a que estamos chamados.
Isso se aplica e muito especialmente ao casamento. Momentos como esse podem unir, proporcionar mais sintonia e cumplicidade de quem embarcou num empreendimento comum; ou agravar a sensação de que temos um(a) estranho(a) ao nosso lado.
O coração humano tem uma característica essencial: tem uma porta que abre para fora. Se a tentamos abrir para dentro, tanto mais a fechamos. Se, ao contrário, a escancaramos em busca de fazer o outro feliz, paradoxalmente somos nós que nos vemos invadidos por uma felicidade verdadeira e perene.
Eis o grande paradoxo do amor, em todas as suas manifestações, mas em especial o amor conjugal: somos felizes de verdade somente quando nos decidirmos a fazer o outro feliz.
Os tempos difíceis em que vivemos fazem evidentes as nossas verdadeiras opções de vida.
É certo que o desemprego, as incertezas sobre o futuro, os parentes, amigos e conhecidos que ora estão bem, ora partem dessa vida sem ao menos nos dar a oportunidade de uma despedida, nos abalam profundamente. Mas nos esquecemos de que a promessa que fizemos um dia um ao outro era na alegria e na TRISTEZA?
Dir-se-á, também, que a convivência diuturna e próxima traz atritos. Por certo que sim. Mas é precisamente o trabalho de polir, com pequenos atritos, que se produz uma joia bela e preciosa. As brigas que podem surgir, são também oportunidades de uma nova reconciliação. Aliás, um bom critério para agir nesse assunto é que aquele que pensa ter razão numa discussão, seja o primeiro a pedir desculpas e a buscar uma reaproximação.
Talvez nos seja de grande proveito contemplar o trabalho de um habilidoso escultor. A sua missão é tirar, para extrair de uma grande pedra, uma bela imagem.
Como a matéria-prima se mantém inerte, ele vai pacientemente, ora com golpes maiores, ora menores, extraindo o que sobra. Se a pedra sobre a qual ele trabalha pudesse recusar os golpes, tentando se esquivar deles, ao invés de uma obra de arte, se produziria uma peça feia e sem sentido.
Algo de semelhante pode acontecer conosco. Os golpes do Escultor vêm para fazer de nós uma obra muito bela de virtudes. Se fugirmos deles, com o passar dos anos, seremos pessoas lamurientas, egoístas, insensíveis. Mas, de qualquer modo, não conseguiremos evitar os golpes. Se, ao contrário, formos dóceis e recebermos as marteladas como vindas de alguém que nos ama, então deixaremos – ainda que custe – que se produza em nós a beleza planejada pelo grande Artífice.
Fábio Henrique Prado de Toledo é casado com a Andréa Toledo, pai de 11 filhos e avô de 2 netas. Moderador em cursos de orientação familiar do Instituto Brasileiro da Família e especialista em Matrimônio e Educação Familiar pela Universitat Internacional de Catalunya, é Juiz de Direito em Campinas. Site: www.familiaeeducação.com.br. E-mail: [email protected]