Odete Domingos, que morreu aos 89 anos em Campinas nesta segunda-feira, 27, era filha de José e Júlia, um casal de lavradores que vendia legumes na feira. Seu talento para o esporte foi descoberto por Argemiro Roque, atleta que treinava as equipes do Regatas, clube de Campinas. O mentor, aliás, se tornaria seu companheiro, pelo resto da vida.
Foi Roque quem exigiu, por exemplo, que ela se dedicasse aos treinos. No primeiro teste no clube, por falta de roupa adequada, ela mesmo cortou uma saia velha para disputar a corrida. Treinava à noite, porque passava o dia todo trabalhando nas casas de família. Às vezes ia de barriga vazia. Dormia de cansada no chão dos ginásios, quando saía para competir.
Todas essas informações estão registradas em blogs e sites de memória e biografia.
Texto de Rogério Verzignasse, publicado no Correio Popular em 2015. Confira, abaixo:
A fortuna que acumulou são os causos. Odete lembra, por exemplo, que seu calçado estourou quando ela participava de uma copa latina do disco, em meados do século passado. Ela saiu desesperada à procura de sapatilhas, mas ninguém lhe arrumou uma nova. Resultado: a atleta tapou os rombos com esparadrapo e competiu assim mesmo.
Ganhou a prova e emocionou todo mundo. Uma competidora italiana, tocada, tirou as próprias sapatilhas dos pés e lhe deu de presente. Lágrimas gerais.
Teve outro episódio inesquecível. Em 60, quando Campinas sediava os Jogos Abertos do Interior, Odete contundiu o menisco durante o treino e foi parar no hospital. Teve a perna imobilizada. Mas a mulher não se conformou. Ela arrancou a tala, compareceu ao ginásio, disputou a prova com o joelho enfaixado e ganhou mais uma medalha de ouro para Campinas.
Odete nunca disputou uma Olimpíada. Como ela via o tempo passando, resolveu fazer educação física e ser professora para ter uma profissão.
Quando se matriculou, tinha passado dos 40 há um tempão. Pois o destino prega suas peças. Foi na maturidade que começou a colecionar as grandes marcas. Ninguém, na sua idade, arremessava o disco tão longe. Ela faturava toda prova que disputava. Só mundiais foram cinco títulos. Sua melhor marca no disco foram 53 metros cravados.
A mulher virou um símbolo do atletismo campineiro.
Argemiro Roque, o companheiro, se foi em 94. Eles viveram juntos mais de 40 anos.
A página Memorial do Guarani, no Facebook, publicou a seguinte homenagem:
Faleceu na manhã de hoje um ícone do esporte de Campinas: Odette Valentino Domingos. Ela nasceu em Campinas dia 05/09/1934 e foi uma atleta especializada em arremessos (de disco, peso e dardo). Admitida com 16 anos na equipe de atletismo do Clube Campineiro de Regatas e Natação, e treinada por Argemiro Roque (que viria a ser seu companheiro por mais de 40 anos), ao longo da carreira foi pentacampeã sul-americana, com inúmeros títulos nacionais e recordes. Foi recordista sul-americana de arremesso de disco.
Depois de completar 40 anos de idade, migrou para o atletismo máster, tornando-se pentacampeã mundial no arremesso de disco.
Dedicou mais de 50 anos de sua vida ao esporte, conquistando para Campinas inúmeros títulos de campeã dos Jogos Regionais e Abertos do Interior, quer como atleta, quer como técnica. Treinou por décadas os alunos da EsPCEX (Escola de Cadetes).
Nos anos 70, com a construção da pista de atletismo no Brinco de Ouro, o Guarani FC assumiu a equipe de atletismo de Campinas e Odette, ao lado de Argemiro Roque, além de competir, foi treinadora do grupo, o que perdurou até o início dos anos 80.
Odette está no Museu do Esporte
A história de Odette Valentim Domingos está devidamente registrada em exposições e memoriais. Ela integrou, por exemplo, a mostra “A Mulher Campineira no Esporte”, promovida pela Secretaria de Esportes e Lazer.
Instalada no Museu do Esporte, a mostra foi composta por 50 fotografias de atletas mulheres. Também estão expostos 50 troféus de representações femininas de Campinas relacionadas às conquistas das equipes em jogos regionais, abertos e outros. Odette está lá.
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