Depois de passar pelos cinemas, em abril, acaba de chegar às plataformas digitais o filme Alice e Peter: Onde Nascem os Sonhos (Come Way, Estados Unidos, 2021, 1h34 min.), de Brenda Chapman. O título brasileiro nos remete imediatamente àquelas aventuras próprias de crianças pré-adolescentes capazes de transformar qualquer elemento, seja cenário, objeto ou brincadeira, em fantasia.
No cenário deste filme transitam três crianças: Alice (Keira Chansa), Peter (Jordan A. Nash) e David (Reece Yates). E o ponto de partida narrativo são os clássicos infantis Terra do Nunca (J.M. Barrie) e Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll). Ou melhor, o filme mostra quem eram os personagens antes das duas histórias originais – exatamente como fazem as produções de super-heróis em Hollywood.
Isto permite brincar com os personagens fartamente conhecidos da literatura mundial e que também foram adaptados muitas vezes para o teatro e o cinema. Assim, no antes, Alice e Peter eram irmãos.
No início promissor, embarcamos no Verão em que tudo é colorido, alegre, poético, seja por meio das brincadeiras com espadas, flechas, navios e batalhas com piratas, seja porque ele contém diversas referências às histórias originais.
Confira o trailer no link https://www.youtube.com/watch?v=hlSH7QZ5_S8
Um dos segredos das ótimas atuações de crianças em filmes vem do fato de que elas não têm filtros, estão desarmadas e destravadas. Elas acreditam no que estão fazendo, apostam no sentido da palavra play (que tem várias traduções, entre eles, interpretar ou brincar). Se tiver de chorar, ela chora; quando brava, ficará brava mesmo.
E, neste princípio, é possível notar a performance do ótimo ator Reece Yates, que mostra qualidades na expressão facial, nos movimentos corporais e na maneira de dizer as falas. Inesperadamente, ocorre uma tragédia.
É um ponto de virada e momento de mudança.
E o filme se torna sombrio. Se antes havia os cenários naturais, agora, entramos em espaços escuros, salas enfumaçadas, pessoas mal-encaradas, e os temas mais voltados ao público adulto, pois existe medo, insegurança, vícios, vingança, desespero, violência e tristeza e alguns instantes que beiram o gênero de terror.
Pesado como se pode imaginar. A primeira impressão, portanto, é de que vemos um filme sombrio, tanto por causa das opções narrativas do roteiro, quanto pelos cenários, direção de arte, interpretação, encenação, fotografia, cores e música.
Estamos diante de um filme que toca claramente na questão racial a partir do casamento que gerou as três crianças. Os pais são Rose (Angelina Jolie) e Jack (David Oylowo) e a irmã de Rose, aa esnobe Eleonor (Anna Chancellor) é claramente racista – assim como o ambiente do filme como um todo.
Entretanto, é curioso notar que não há vilões no sentido clássico. Talvez, a personagem de Angelina tenha um tanto de heroína e vilã. Consegue ter um olhar bondoso ou atitude generosa com os filhos e, ao mesmo pode passar por uma megera quando castiga Peter a lavar louça e não brincar antes de fazer as lições de matemática. E, pior, quando comete um ato de violência com outro personagem.
Alice e Peter: Onde Nascem os Sonhos foi feito para pré-adolescentes e adultos. É fato que todas as vezes que investe na fantasia, na aventura e no mágico, a produção cresce.
Mas a vida real e os inúmeros problemas dela nos fazem lembrar de que, ao crescer, viramos pessoas sérias. Ainda assim, aproveitemos o que o filme nos proporciona de bom quando viajamos na fantasia.
Disponível nas plataformas Claro Now, iTunes / Apple Play, Google Filmes e Sky Play
João Nunes é jornalista e crítico de cinema