Treinador da histórica equipe do Guarani que revelou Vera Mossa para o voleibol nacional e internacional, Antonio de Pádua Báfero está com 81 anos, faz aniversário daqui dois meses e segue na ativa. Apaixonado por esporte, não deixa de aproveitar os momentos de lazer ao lado dos cavalos em um haras de sua propriedade, na cidade de Socorro, mas segue morando em Campinas, cidade que abraçou, e sonha em ajudar de alguma forma a aproximar a iniciativa privada e o poder público para auxiliar no crescimento do esporte regional e nacional.
Apesar da evidente ligação sentimental com o esporte, Pádua contribuiu de diferentes maneiras com a história da cidade. Construiu uma carreira docente na Unicamp de mais de 30 anos, atuou como secretário e diretor de esportes de Campinas e escreveu livros sobre diferentes temas. Hoje, faz parte da Academia Campinense de Letras.
O trabalho mais recente envolve a criação de incentivos para o desenvolvimento do esporte a partir do apoio da iniciativa privada. “Estive na última semana com o presidente da Câmara de Campinas, Luiz Rossini. Eu e mais um advogado famoso da área do esporte fomos saber se o Rossini tem interesse de aprovar na Câmara uma lei que facilite a proximidade da iniciativa privada com o poder público. Estou trabalhando isso por minha conta”, detalha.
O projeto, diz, é desenvolvido paralelamente a um outro grande apego que tem na vida. “Lá em Socorro me dedico a minha paixão de infância, que é a criação de cavalos. Uma criação de cavalos bem arrumada, com todos os animais registrados em um haras que eu tenho”, destaca Pádua.
A vivência permitiu a Pádua se voltar a tudo que aprendeu a considerar importante a partir dos trabalhos que desempenhou.
“A minha história hoje é voltada dentro de mim mesmo, voltada às minhas coisas, mas continuo ativo e atento ao esporte. Vamos entregar ao Rossini um esboço da lei, como ela deve ser clara (para aproximar a iniciativa privada do poder público no esporte). Se uma empresa quer investir no esporte, ela quer saber quando terá o retorno. Ninguém vai colocar dinheiro no esporte sem ter retorno. Esse retorno que a lei precisa ser clara. Se Campinas conseguir ser clara em relação a isso, ninguém segura a cidade”, assegura.
Na opinião dele, as características da metrópole facilitam a execução do projeto que criou. “Nós temos a vantagem de termos muitas empresas aqui na cidade e em municípios próximos. Foi aprovada a Lei do Esporte, ela é bem clara e está fácil de se apoiar nela. É como se ela fosse a nossa Carta Magna. Ela é clara de como podem surgir investimentos e, a partir dessa lei, pensei que poderia ajudar Campinas de alguma forma”, completa.
Destaque em todas as áreas que trabalhou durante a vida, Pádua foi o treinador da equipe de vôlei feminino do Guarani que fez história em Campinas e em todo o território nacional durante o final da década de 1970 e parte da década de 1980.
Durante as gestões dos presidentes Ricardo Chuff e Antônio Tavares Júnior, o clube que era destaque na formação de jogadores para o futebol cresceu em outras modalidades e revelou atletas históricos do esporte brasileiro.
“Esse trabalho realmente foi histórico, tenho muito orgulho de todas as pessoas que estiveram envolvidas na época. O Guarani, nas gestões do Ricardo Chuff e Antônio Tavares Júnior deu total apoio ao esporte, tanto que o clube abrigava esportes olímpicos. Tinha voleibol, atletismo, natação e ginástica”, relembra.
No voleibol, o Guarani conquistou respeito como formador de atletas de uma modalidade que começava a cair no gosto dos brasileiros. “Tínhamos de 10 a 12 professores da prefeitura, os quais eu os coordenava, e fizemos um trabalho em que chegamos a ter entre 500 e 1.000 crianças praticando o voleibol. De todo esse número, saíram diversas jogadoras e também conquistamos títulos”, detalha.
As conquistas se acumularam na época em que o futebol do Guarani também ganhou respeito nacional. “Fomos bicampeões paulista, vencendo Paulistano, Pinheiros e Santo André. O Guarani foi o primeiro nome do Brasil no voleibol, cedeu no total oito jogadoras à Seleção Brasileira e três foram convocadas para os Jogos Olímpicos, como a Adriana Lima, a Rita de Cássia (Teixeira Zanata) e a Vera Mossa. A Adriana pediu dispensa, mas a Rita e a Vera estiveram presentes. Foi um trabalho respeitadíssimo, um dos trabalhos que mais marcaram a história de Campinas no voleibol. Todo mundo falava e jogava voleibol”, relembra Pádua.
Sempre de olho em revelar e dar oportunidade a jovens talentos, Pádua fez um trabalho qualitativo no vôlei do Guarani, com o objetivo de desenvolver o talento de meninas que sonhavam em ter sucesso no esporte. O resultado foi satisfatório, os títulos se tornaram realidade, mas faltou a proximidade entre iniciativa privada e poder público para os investimentos aumentarem e o projeto acabou.
“Foi um trabalho que desenvolvemos à mercê de uma ideia científica. Não foi quantitativo, foi qualitativo. As duas coisas precisam existir. É importante ser quantitativo para que todos participem e seja despertado o gosto pelo esporte, mas também é necessário ser qualitativo. Hoje o vôlei mundial não aceita jogadoras com menos de 1.80m. Haja vista a Rússia com atletas de mais de 1.90m, e o Brasil ressente disso até hoje. Temos jogadoras hoje, de meio de rede, com 1.84m, e naquela época tínhamos aqui em Campinas quatro jogadoras acima de 1.80m. Isso foi muito bom, maravilhoso, e incentivou a cidade a fazer o trabalho”, pontua.
Infelizmente por um problema financeiro e também com a saída do Ricardo Chuff e do Antônio Tavares Júnior, o Guarani teve a tendência natural de cuidar do futebol. “O clube se concentrou no futebol, nada contra, mas entendi muito bem que na época não havia dinheiro no clube para tocar o voleibol. Foi o início do profissionalismo, e todas as jogadoras do Guarani tinham um histórico financeiro no final do mês e uma história de estudo. Nós fizemos convênios com várias instituições para colocá-las para estudarem, mas infelizmente não havia dinheiro no clube e o time de voleibol morreu por conta disso”, lamenta.
Segundo ele, o que faltou na época é o que falta até hoje: proximidade do poder público com a iniciativa privada para sustentar projetos como o do Guarani.
“Esse projeto (do vôlei feminino) que está chegando em Campinas atualmente, por exemplo, vem por si só. Quiçá eles deixem aqui um trabalho de base. O outro clube que esteve aqui nove anos atrás não deixou absolutamente nada de trabalho de base. Deixou apenas o Ginásio do Concórdia como herança, bem arrumado. A Prefeitura precisa exigir um trabalho de base para que o projeto permaneça no futuro. O Guarani teve isso por oito a dez anos. Todo mundo jogava voleibol nos colégios “, complementa Pádua.
na revelação de jovens talentos no esporte, Pádua detalha como era feito o trabalho para descobrir jogadoras de vôlei para atuar no Guarani. O ex-treinador valoriza a parceria que o clube tinha com a Prefeitura na época e a importância de não deixar de lado os estudos e garantir moradia às jovens. Por fim, novamente relembra as dificuldades que colocaram ponto final no projeto.
“Tínhamos olheiros, que eram nossos amigos, espalhados por todo o Brasil que indicavam atletas por telefone. Sempre íamos buscar, matriculávamos na escola e tínhamos um lugar para elas morarem. O Guarani pagava casa e apartamento para elas morarem e isso foi muito bom. O projeto durou oito a dez anos comigo, depois ficou mais dois anos na mão de outro treinador e daí terminou de vez. O Guarani não colocava mais dinheiro nos aluguéis das casas quando saí, não queria mais pagar as jogadoras, tendo em vista a preferência e o objetivo primordial no futebol, com um trabalho de base que na época era revelador de grandes atletas”, ressalta.
Unicamp
Além de ser peça fundamental na histórica equipe de vôlei feminino do Guarani, Pádua participou do surgimento da faculdade de educação física da Unicamp, em 1985. Na universidade, foi diretor do curso, trabalhou na área de aprendizagem motora, mas novamente sentiu falta da maior proximidade com o poder público.
“Sou dos primórdios da faculdade de educação física da Unicamp, quando ela surgiu em 1985. Nessa altura eu já estava na USP, em São Paulo, na área de aprendizagem motora trabalhando com o movimento humano. Essa disciplina foi o grande agente facilitador da iniciação esportiva. Todo mundo corre, todo mundo salta, todo mundo rola e todo mundo pula. Faltava apurar qual o motivo de tudo isso. Dentro da faculdade de educação física da Unicamp, desenvolvemos um grande trabalho de aprendizagem motora. Foi um trabalho bacana, os alunos foram beneficiados e alunos nossos que passaram por esse tipo de trabalho tiveram sucesso na profissão”, comemora Pádua.
Novamente, o problema foi a falta de proximidade com o poder público na época.
“Para mim tudo gira em torno do poder público. A grande história, o grande altar-mor do esporte, é o poder público. O poder público é aquele que precisa ter boa vontade de fazer e tem sido feito um bom trabalho com o prefeito Dário aqui em Campinas. De um jeito ou outro está sendo feito, mas precisamos de um projeto com a proximidade com a iniciativa privada”, pede.
Refletindo sobre a capacitação dos comandantes em todas as modalidades esportivas, Pádua opina sobre as dificuldades dos técnicos brasileiros de futebol nos últimos anos. Para o ex-direitor da faculdade de educação física da Unicamp, é necessário que as universidades criem cursos de graduação para treinadores, assim como ocorreu em Portugal, país que se destaca com profissionais de sucesso na área técnica.
“Sei que é devagar, mas cabe as duas universidades aqui de Campinas, PUC-Campinas e Unicamp, criar uma faculdade de treinadores. Foi criada em Portugal uma faculdade da motricidade humana, de onde saíram técnicos portugueses como José Mourinho e Abel Ferreira, que estão fazendo sucesso. Essa faculdade da motricidade humana foi fundada pelo Manuel Sérgio, um filósofo português que eu tive o prazer de ter como colega na Unicamp por cinco anos. Isso me influenciou muito nesse trabalho. Minha grande história na Unicamp é a motricidade humana e o desenvolvimento do movimento das crianças. Isso serve para o vôlei, o basquete, o futebol e todas as modalidades esportivas. Primeiro precisamos pensar no homem para depois pensar no esporte”, enfatiza.
A experiência de Pádua na equipe de vôlei do Guarani e na faculdade de educação física da Unicamp possiblitou o convite para ser secretário de Esportes de Campinas na gestão do prefeito Chico Amaral, entre 1997 e 2000. O ex-treinador relembra a experiência na política, ainda na época da formação da secretaria.
“Fui secretário de Esportes no segundo governo do prefeito Chico Amaral, entre 1997 até o ano 2000. Foi uma época que a secretaria de Esportes estava em formação. Foi um trabalho difícil, tínhamos esse problema de proximidade entre a iniciativa privada e poder público. Fazer esporte sem essa proximidade é muito complicado. O trabalho de base foi feito nas praças de esporte, mas ainda como um objeto deficitário. Não pelo modelo, mas não teve apoio financeiro”, lamentou Pádua.
“Foi um trabalho normal, sem problemas. Fizemos as quadras de tênis no Taquaral e elas estão em condições de serem utilizadas até hoje. Também fizemos a manutenção das praças esportivas. O Chico Amaral apoiou totalmente o trabalho e assim foi feito”, acrescenta.
Apaixonado pelo esporte, Pádua continua morando em Campinas, atualmente se dedica à carreira de escritor, é membro da Academia Campinense de Letras (ACL) e não deixa de lado a criação de cavalos, diversão nos momentos de lazer no haras em Socorro.
“Cuido da raça mangalarga marchador, que é um cavalo feito para passeio e tem enorme comodidade para as pessoas. O Mangalarga Marchador tem uma história de 200 anos no Brasil, os primeiros cavalos foram trazidos por Dom Pedro I, Dom João VI, e eles presentearam o Barão de Alfenas com alguns cavalos. Quando os cavalos cruzaram, deu o Mangalarga Marchador, que é a raça genuínamente nacional. Até brinco que qualquer papel lá no haras tem 100 anos e isso é verdade. Meu prazer também é escrever. Escrevo diariamente, pertenço à Academia Campinense de Letras e tenho alguns livros publicados. Escrevo sobre contos e tenho romance publicado sobre a Revolução de 1932. Tenho me divertido com a escrita e os meus cavalos”, finaliza.